Quando iremos morrer? Há uma data determinada para o fim de cada um de nós? Isso depende de meus cuidados com a saúde ou, mesmo cuidando dela, é a soberania de Deus que determina o momento da minha morte? Comumente, os que subscrevem a doutrina calvinista creem que independente da ação humana, é Deus quem põe um fim a nossa existência. E os que seguem uma linha mais arminiana preferem acreditar numa espécie de sinergia, onde há a atuação de Deus juntamente com nossa responsabilidade. Mas o que a Bíblia tem a dizer sobre isso?
Uma leitura superficial dos textos abaixo talvez nos faça concluir que podemos prolongar os nossos dias se formos sábios, obedientes e santos; da mesma forma que podemos abreviar os nossos dias se formos néscios, desobedientes e pecadores inconfessos:
“Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá.” (Êxodo 20:12)
“Não sejas demasiadamente ímpio, nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo?” (Eclesiastes 7:17)
“Os dias da nossa vida chegam a setenta anos, e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, o orgulho deles é canseira e enfado, pois cedo se corta e vamos voando.” (Salmos 90:10)
“Mas tu, ó Deus, os farás descer ao poço da perdição; homens de sangue e de fraude não viverão metade dos seus dias; mas eu em ti confiarei.” (Salmos 55:23)
“E guardarás os seus estatutos e os seus mandamentos, que te ordeno hoje para que te vá bem a ti, e a teus filhos depois de ti, e para que prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá para todo o sempre.” (Deuteronômio 4:40)
“Deixarás ir livremente a mãe, e os filhotes tomarás para ti; para que te vá bem e para que prolongues os teus dias.” (Deuteronômio 22:7)
“O temor do Senhor aumenta os dias, mas os perversos terão os anos da vida abreviados.” (Provérbios 10:27)
Mas será que esses textos nos dizem que podemos prolongar ou abreviar os nossos dias além daquilo que Deus já decretou? E quanto aos textos abaixo, há contradição com os anteriores?
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer” (Eclesiastes 3:1,2)
“Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses; e tu lhe puseste limites, e não passará além deles.” (Jó 14:5)
“Faze-me conhecer, Senhor, o meu fim, e a medida dos meus dias qual é, para que eu sinta quanto sou frágil.” [“quanto tempo eu tenho aqui” –– nota de margem na KJV] (Salmos 39:4)
“Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia.” (Salmos 139:16)
Longe de haver qualquer vestígio de contradição entre os textos bíblicos, a primeira cessão aponta para a responsabilidade humana, enquanto a segunda seção, para a soberania de Deus. E é esta, a soberania, que estabelece aquela, a responsabilidade. Nos termos da Confissão de Fé de Westminster,
Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.
(Isa. 45:6-7; Rom. 11:33; Heb. 6:17; Sal.5:4; Tiago 1:13-17; I João 1:5; Mat. 17:2; João 19:11; At.2:23; At. 4:27-28 e 27:23, 24, 34.)”[1]
Isso significa que a liberdade do homem só é possível em razão da soberania de Deus. É Deus quem move o homem a agir ou segundo a sua natureza má ou com a nova natureza regenerada. E é esse mover soberano que garante ou estabelece a liberdade do homem. Evidentemente que assim como este homem não consegue agir contrário à sua natureza, da mesma forma também não consegue abreviar ou prolongar os seus dias além do decreto do Senhor.
Portanto, diferente do que muitos afirmam, de que há contradição ou antinomia entre soberania e liberdade, afirmamos, juntamente com a Confissão de Fé de Westminster que a liberdade humana só é possível porque o primeiro Motor Imóvel move a humanidade para que ajam. Para quem tem interesse de saber mais sobre essa linha do calvinismo clássico, infelizmente pouco conhecida pelos calvinistas modernos, deixo como indicação meu livro “O Cálice da Ira sem Mistura”[2], onde eu reservo um capítulo inteiro para explicar essa relação.
Consideremos o seguinte texto abaixo:
“Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá.” (Êxodo 20:12)
O apóstolo Paulo, inspirado por Deus, cita essa passagem em Efésios 6 expandindo a extensão da “terra” de acordo com a Nova Aliança:
“Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa; para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra.” (Efésios 6.2-3)
Em Êxodo 20.12, a promessa era local e dizia respeito à Terra Prometida. Mas em Efésios 6.2-3, Paulo evoca a universalidade dessa promessa, já que a morte de Cristo era pelos eleitos espalhados pelo mundo todo. Então, essa promessa não era apenas para o povo de Israel, como alguns alegam, mas para todos que a cumprirem, independentemente da localidade. E quando a literalidade dela? Honrar os pais alonga a nossa vida?
O Deus que determinou os fins também determinou os meios. Sendo o fim o dia exato da morte de cada um, Deus estabeleceu que um dos meios – note bem um dos meios – fosse a obediência e honra aos pais. Em Deuteronômio 4.40, por exemplo, outro texto já citado aqui, outro dos meios é guardar os estatutos e os mandamentos divinos para que os dias sejam prolongados. Sendo, então, esses meios também decretados por Deus, eles caminharão em consonância com os fins, sendo, ainda, os homens livres e responsáveis em suas ações.
É por isso que encontramos exemplos de pessoas extremamente honrosos quanto aos pais, mas que morrem em idade tenra; assim como há desobedientes e desonrosos quanto aos seus progenitores que vivem uma longa vida. Os meios que Deus estabeleceu para que alguém viva muito ou pouco são além da obediência aos pais; há a obediência às Escrituras, o temor a Deus, o controle da impiedade, etc. Alguém que não respeita nenhuma lei, é desobediente quanto aos conselhos sábios dos pais, é inconsequente e impulsivo, além de extremamente violento tem, logicamente, menos chance de ter uma vida longa que alguém de vida oposta. O que Deus aponta, portanto, diferente de ser uma incitação para a possibilidade de mudar os decretos dEle, são conselhos para que se tenha uma vida santa que, consequentemente, poderá trazer uma vida longa. Todavia, como já foi dito, nenhum segundo a mais do que o sábio Deus já determinou.
Você Sabe Qual é o Seu Último Dia?
Nem eu sei o meu e nem nenhum outro ser humano. Mas o fato se eu não saber quando morrerei, mas saber que Deus já determinou o fim não pode me fazer viver uma vida desregrada. Devemos aplicar o mesmo princípio quanto à salvação e santificação. Dizemos que o salvo não se manterá assim fazendo boas obras, mas são as boas obras que evidenciam que esse salvo foi realmente alcançado por Cristo. Dito de outra forma, a evidência de justificação é a santificação. O mesmo vale com relação a saber que Deus decretou e o fato de sermos incitados à responsabilidade. A nossa reação diante desses textos que falam sobre abreviar ou alongar os nossos dias serão apenas a atualização da determinação divina. Lembre-se que os decretos de Deus são manifestos na atualização de nossas ações. E como não sabemos o fim, vivemos da melhor forma possível diante dos meios que nos estão disponíveis a cada momento.
Dessa forma, dizemos que esses versos da primeira seção estão na Escritura para nos lembrar que somos exortados por Deus na busca de um viver sábio: cuidados com a saúde física e espiritual, obediência aos nossos pais, busca pela sabedoria do alto, a guarda dos mandamentos divinos, etc.
Enquanto que os versos da segunda seção estão lá para nos lembrar que Deus ainda assim é soberano sobre tudo, e guia a vida de cada um segundo Seu bom propósito e Sua infinita sabedoria. É a união dessas duas seções, portanto, que traz o equilíbrio entre a soberania divina e a liberdade humana, sendo aquela a razão e o meio de estabelecimento desta.
Que o querido leitor descanse no absoluto controle de Deus sobre a morte, mas não use isso para viver perto dela.
[1] Confissão de Fé de Westminster, cap. III.I. [2] Disponível em < http://www.portodelenha.com.br/produto/464252/o-calice-da-ira-sem-mistura-do-inferno-ao-lago-de-fogo-e-enxofre>