
WILLY ROBERT
Panorama Atos dos Apóstolos
Edições Reformai
Capa:
Elnatan Rodrigues
Autor:
Willy Robert
Edição:
Elnatan Rodrigues
Revisão:
Luciana Moreira
1ª Edição 2020
Edições Reformai, 2020 ©️ Todos os direitos autorais estão reservados. Citações Escriturísticas a partir da ACA (Almeida Corrigida Atualizada),Sociedade Bíblica do Brasil, 2018. É permitido, pelo autor e editores desta obra, breves citações em outros materiais, dos textos presentes neste material com devidas fontes.
Dedicado a Cida, mãe querida e comprometida que me conduziu nos primeiros passos.
Em 2018 fui convidado, pelo meu amigo William Torres, para gravar pílulas diárias do livro de Atos em um programa matutino da rádio Ativa FM em Ouro Branco MG. O objetivo era fazer um panorama de todo o livro em vinte programas de cinco a oito minutos cada. Fiquei muito empolgado com o convite, afinal, estava no segundo ano do seminário Martin Bucer e, como todo seminarista, estava muito ansioso para mostrar serviço. Não imaginava o quanto isso daria trabalho – assim como todas as coisas em que nos envolvemos seriamente para fazer – pois eu estava fazendo seminário, dava aula em um curso de teologia na igreja, trabalhava durante o dia e estava envolvido com o Resenha Teológica. Além das leituras obrigatórias do seminário tinha que ler um livro por semana para gravar as resenhas para o canal, mas, ainda assim aceitei de bom grado e cheio de empolgação. Eu não faria uma exposição detalhada do livro, era um panorama, então era preciso condensar, ao mesmo tempo eu queria apresentar um conteúdo contextual para ajudar os ouvintes a entender o mundo de Atos dos Apóstolos e todas as questões históricas e culturais relativas ao livro. Com isso em mente, não me restava outra coisa a fazer a não ser correr atrás de material de pesquisa, recorri a algumas introduções ao Novo Testamento, comentários bíblicos, panoramas do novo testamento, livros sobre contexto histórico e cultural do Novo Testamento, enfim, um sem número de material (listei todos na bibliografia), preparei tudo, gravamos os programas, e foi bem legal participar daquele projeto. Alguns pastores da nossa região fizeram o mesmo com outros livros do Novo Testamento, e me senti honrado em fazer parte daquele projeto.
Passou-se o tempo, esse material ficou guardado, e em 2019 fui convidado à participar de outro programa de rádio, dessa vez foi a rádio digital Uma Esperança de Vida, os programas seriam gravados e transmitidos pelo site da rádio. O convite me veio por meio do John Fidelis do TCast, um podcast sobre teologia, John estava nessa empreitada junto com Elnatan Rodrigues, criador e fundador do Ministério Reformai. Os conheci, aceitei o convite e começamos a gravar o programa Fé e Piedade. Mais uma correria, além das atividades normais com a igreja, o curso de teologia que eu era professor na igreja, o seminário, trabalho, o Resenha Teológica, que apesar de não ser um grande canal demanda tempo, leituras, gravação, edição etc.. Mas a coisa caminhou, pela graça de Deus gravamos muita coisa.
Em 2020 na procura de temas para gravarmos o Fé e Piedade, me lembrei do material de Atos que havia preparado e pensei: Por que não? Propus isso aos meus companheiros e eles aceitaram. E foi quando o Elnathan teve contato com o material e me propôs transformarmos esse material em um livro e é exatamente isso que você, caro leitor, tem em suas mãos agora.
Como originalmente esse material era apenas um esboço para me guiar nos programas, quando fui convidado a fazer disso um livro, tive que pegar todo esse trabalho e revisá-lo e aí o trabalho realmente apareceu, eu não tinha o costume (agora fui obrigado a me acostumar) de colocar referências dos materiais que usava nos esboços, quando fazia citações diretas citava apenas o autor, mas não colocava a obra, páginas, etc.. Com isso tive que descer todo o material de Novo Testamento da prateleira e garimpar para ver qual fala era de quem, e assim dar os devidos créditos. Caso você encontre trechos de outros autores sem os devidos créditos, por favor, em primeiro lugar me perdoe, não é minha intenção levar crédito pelo trabalho de outros e, em segundo lugar, nos avise para que em possíveis próximas edições termos a oportunidade de corrigir esse equívoco.
Gostaria de destacar também que em momento algum pretendi ser original, e isso por vários motivos, dentre os quais cito apenas dois. O primeiro e mais óbvio é que esse material é fruto de pesquisas, como já disse antes, pesquisei livros e mais livros, fiz pesquisas na internet, usei softwares de estudos bíblicos, como alguém já disse, subi nos ombros de gigantes. O segundo motivo é que entendo que nessas áreas Deus possui homens verdadeiramente capacitados para tal, homens que entendem de história antiga, geografia, cultura, grego, e que tais homens vêm fazendo um brilhante trabalho em panoramas de livros bíblicos, não tenho condições nem interesse de criar algo original nessa área, por isso indico uma bibliografia básica sobre o assunto ao fim do livro.
No mais, deixo aqui meus agradecimentos. Agradeço primeiramente à Deus que em sua infinita misericórdia tem me preservado apesar de mim. Só Deus sabe o quanto sou imerecedor de sua infinita graça e bondade. Agradeço à minha fiel esposa, que tem sido uma bênção de Deus em minha vida, tem me sustentado, tem me suportado, tem suportado inclusive os períodos de falta de atenção e isolamento atrás de uma mesa. Agradeço ao Elnatham pela iniciativa de lançar esse livro pelo Reformai, que Deus em Cristo o abençoe, e saibam todas as imprecisões que porventura encontrarem são de minha total responsabilidade. Agradeço ao querido Pastor e amigo Daniel Deeds, homem que eu aprendi a admirar e respeitar e que se tornou um exemplo para mim de empenho e cuidado com as Sagradas Escrituras. Agradeço ao pastor e mestre Franklin Ferreira, tem sido uma honra para mim poder servi-lo e também acompanhar diariamente sua devoção a Deus e seriedade com as coisas relativas ao reino de Deus, seus escritos além de instruir são inspiradores. Não poderia deixar de agradecer a Luciana Moreira, que ficou por conta de fazer a revisão do texto, me ajudar com os pontos, vírgulas, concordâncias, enfim, toda essa parte do texto, só Deus pode recompensá-la pela ajuda. E por fim, agradeço a querida Igreja Batista de Santa Fé de Minas, igreja onde tenho a honra de pastorear, só Deus sabe o quanto é gratificante contribuir para o crescimento espiritual de vocês e também crescer conjuntamente.
E agora, deixe-me parar de falar um pouco, imagino que seu interesse seja pelo conteúdo à frente, e Rosy está me aconselhando a sair do computador, tivemos uma queda de energia na cidade e estou no escritório iluminado com velas, ela diz que isso não é bom para as vistas.
Willy Robert.
Santa Fé de Minas, 18/04/2020.
Por John Fidelis
O Livro de Atos é um valioso documento que registra os anos iniciais da história da igreja no primeiro século. Um livro que tem como objetivo narrar a ação do Espírito Santo por meio da vida dos apóstolos, e que nos ensina que a missão da Igreja ainda não terminou. Mas, por se tratar de um livro narrativo e não doutrinário em si, tem sofrido inúmeras interpretações no campo teológico.
No entanto, Willy Robert conseguiu expor este livro de forma concisa, simples e clara, numa linguagem que está acessível a todos os públicos. E isso é fantástico! Também estou contente por Willy colocar este conteúdo à disposição de todos. E o meu desejo é que esta obra seja amplamente lida e estudada.
John Fidelis – Superintendente da Escola Bíblica Dominical na congregação Presbiteriana em Pinheiral, RJ. Bacharelando em teologia, criador e host do podcast Teologicamente (Tcast).
Para compreendermos melhor o livro de Atos, é interessante estudarmos esse livro na sequência do evangelho de Lucas, pois, Atos é uma espécie de segundo volume do evangelho, e Lucas é tanto o autor de um quanto de outro. Notamos isso ao vermos o início de cada um dos respectivos livros. Lucas inicia seu evangelho da seguinte maneira:
Visto que muitos já empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram deles testemunhas oculares e ministros da palavra, igualmente a mim pareceu bem, depois de cuidadosa investigação de tudo desde a sua origem, dar-lhe por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que você tenha plena certeza das verdades em que foi instruído.
Lucas 1:1-4 (Ênfase nossa)
Observe que aqui Lucas está escrevendo seu relato para um certo Teófilo (Θεόφιλε amigo de Deus), o texto é direcionado para a mesma pessoa que aparece no primeiro capítulo de Atos.
Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar.
Atos 1:1
Observe que aqui em Atos temos o mesmo destinatário, e o autor afirma que escreveu o primeiro livro para relatar todas as coisas que Jesus começou a ensinar, agora, ele vai dar sequência em seu relato, apresentando as coisas que aconteceram após a ressurreição e ascensão de Jesus.
Existe um certo silêncio no primeiro século da igreja primitiva quanto a autoria do livro de Atos, por volta de 175 d.C., encontramos no Cânon Muratoriano as seguintes palavras: “Entretanto, os Atos de todos os Apóstolos foram escritos em um volume. Lucas o destina ao excelentíssimo Teófilo”. Na mesma época, o prólogo antimarcionita à Lucas afirma que Lucas escreveu Atos. Ireneu em 185 d.C., fala em termos semelhantes. No terceiro século, Clemente de Alexandria declara que Lucas é o autor, além de Orígenes e Tertuliano que registram que Lucas é o autor, tanto do Evangelho que leva seu nome quanto do livro de Atos. O que temos é uma progressão histórica no reconhecimento da autoria Lucana, tanto para o Evangelho quanto para Atos. Carson, Moo e Morris dizem o seguinte em sua análise sobre a autoria de Atos:
[…] não há motivo convincente para negar que o autor de Atos foi um companheiro de Paulo. […] Que esse companheiro foi ninguém menos do que Lucas, ‘o médico amado’, é a opinião unânime da igreja primitiva. Portanto temos boas razões para concluir que Lucas foi o autor de Atos. (Introdução ao Novo Testamento. D.A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris. São Paulo. Vida Nova. 1997. P. 214).
O apóstolo Paulo nos informa que Lucas era médico “Lucas, o médico amado…” (Cl 4.14). Ao analisarmos o evangelho de Lucas, os detalhes médicos que ele utiliza ao registrar seu evangelho são marcantes e concordam com a opinião de que era médico. Sua origem não é certa, há muitas especulações em relação a isso, por exemplo, William Ramsay especulou que Lucas pode ter sido o “homem da Macedônia que apareceu a Paulo numa visão” (At 16.9). Alguns especulam que Lucas era romano. A tradição mais respeitada afirma que Lucas era de Antioquia da Síria, mas as evidências estão longe de nos levarem a uma conclusão precisa.
O que temos como certo é que Lucas não foi um seguidor de Cristo, ou seja, não acompanhou de forma ocular o ministério de Jesus, ele mesmo parece dizer isso: “conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram deles testemunhas oculares” (Lc 1.2). Ele também não foi um companheiro original de Paulo em suas viagens missionários, o seu texto nos indica que ele é unido a comitiva paulina somente quando Paulo decide ir a Macedônia, observe: “E, tendo contornado Mísia, foram a Trôade. À noite, Paulo teve uma visão na qual um homem da Macedônia estava em pé e lhe rogava, dizendo: – Passe a Macedônia e ajude-nos. Assim que Paulo teve a visão, imediatamente procuramos partir para aquele destino …” (At. 16.8-10 ênfase nossa). Observe a mudança de terceira pessoa (foram) para primeira pessoa (procuramos).
Os estudiosos afirmam que Lucas possuía um domínio muito bom da língua grega, o que mostra que era alguém estudado (o que corrobora com a afirmação de que era médico), ele cumpre bem o seu objetivo narrado no início do Evangelho, de apresentar “uma exposição em ordem”. Ele também é cuidadoso com números, nomes, datas, eventos importantes, detalhes geográficos, etc..
Quanto a data[1] da escrita de Atos, a posição de Simom Kistemaker é bem segura: “A data mais antiga possível para a composição de Atos é 62 d.C., que é o ano da libertação de Paulo da prisão romana e a última referência de tempo em Atos”.
Kistemaker, S. (2016). Atos. É. Mullis & N. B. da Silva, Trads. 2a edição, Vol. 1, p. 39. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã.
[1] Para saber mais leia: Kistemaker, S. (2016). Atos. (É. Mullis & N. B. da Silva, Trads.) (2a edição, Vol. 1, p. 39). São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã. Carson, D.A. Introdução ao Novo Testamento. D.A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris; São Paulo. Vida Nova. 1997.
Quando nos deparamos com o texto de Atos algumas perguntas nos vêm à mente: O que este livro quer dizer? Qual a mensagem do livro de Atos? Ou até mesmo, como ler Atos? Essas perguntas são totalmente pertinentes pois, uma leitura errada nos conduz à uma interpretação errada, e fazer as perguntas certas nos levam em direção à real intenção do autor ao escrever seu livro.
Atos dos apóstolos é considerado um livro histórico, ou seja, o autor quer nos contar uma história, ele quer nos informar como algo aconteceu. No entanto, temos que tomar este objetivo de forma cuidadosa. O fato de Atos querer nos contar uma história, não significa que temos que tomar toda esta história como algo normativo para a igreja hoje, o estilo histórico não tende a ser normativo, mas sim informativo. Por exemplo: Todas as conversões precisam que um anjo (At 10), apareça e mande alguém chamar um pastor para pregar para ele? Todas as conversões devem ser dramáticas como a de Paulo? Fica claro que a reposta é não e não. É preciso ler a Escritura tendo em mente que precisamos tomar como norma, aquilo que a Escritura nos manda fazer de forma direta, ou seja, as partes que são apenas narradas não podem ser tomadas como normas. (Fee e Stuart, 1997). E este é um erro comum na interpretação de Atos dos Apóstolos.
Como bem nos dizem Gordon Fee e Douglas Stuart:
“É nossa falta de precisão hermenêutica quanto ao que Atos procura nos ensinar que resultou em boa parte das divisões existentes na igreja. Tais práticas divergentes como o batismo de crianças ou somente de adultos cristãos, a política eclesiástica congregacional e episcopal, a necessidade de observar a ceia do Senhor todos os domingos, a escolha de diáconos pelo voto da congregação, a venda das posses a fim de ter todas as coisas em comum, […] têm sido apoiadas, de forma total ou parcial, com base no livro de Atos.”
(Fee, Gordon D. Entendes o que lês? Um guia para entender a Bíblia com auxílio da exegese e da hermenêutica. Gordon D. Fee e Douglas Stuart. São Paulo, Vida Nova, 2011. Pg 132).
Precisamos levar em conta que, ainda que o estilo literário de Atos seja o histórico, Atos não pretende nos contar todos os pormenores históricos da gênese da igreja primitiva como alguns tentam sustentar. Lucas omite muitas coisas, e tais omissões nos encaminham para sua real intenção. Lucas não nos conta detalhes da vida dos apóstolos, com exceção de Tiago filho de Zebedeu, não sabemos como foi o fim dos demais apóstolos (At 12.2). Lucas não registra os pormenores da plantação de diversas igrejas que as cartas paulinas citam.
Uma vez que temos uma noção do que Lucas não fala, podemos focar naquilo que ele fala e que parece nos mostrar suas intenções. Podemos dividir Atos em duas partes, a primeira vai do capítulo 1-12, e a segunda vai do 13-28. A primeira parte de Atos orbita em torno de Pedro, é Pedro quem prega o sermão no dia de pentecostes (2.14-36). Pedro e João que estão indo ao templo e por meio deles o paralítico é curado (3.1-10). Novamente é Pedro quem prega (agora no templo) quando paralítico é curado (3.11-26). Pedro e João que são levados ao Sinédrio e são presos (4.1-21). É perante Pedro que morrem Ananias e Safira (5.1-10). É por meio da sombra de Pedro que as pessoas são curadas (5.15). São Pedro e João os enviados a Samaria para averiguar os resultados do ministério de Filipe (8.14-25). É Pedro o enviado à Cornélio para introduzir o primeiro gentio na igreja (10.1-48). Pedro e Tiago são perseguidos por Herodes, Tiago morre e Pedro continua seu ministério.
Está claro que o personagem central dessa primeira parte é Pedro. O que aconteceu com os outros apóstolos? Tiago está morto, João aparece ocasionalmente, mas onde estão e o que estão fazendo André, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tiago filho de Alfeu e Tadeu? Não sabemos! Entendemos então que o autor tem um contexto específico em mente e é em torno de tal contexto que seu relato se localiza. Na segunda parte, o texto praticamente todo gira em torno de Paulo, começando com a primeira viagem missionária de Barnabé e Paulo (13), até a prisão de Paulo em Roma no capítulo 28.
Essa divisão nos ajuda a compreender que o objetivo de Lucas não é exatamente fazer um tratado histórico da vida da igreja primitiva, mas sim, relatar como, por meio do Espírito Santo, o Evangelho partiu da descida do Espírito Santo em Jerusalém até os confins da terra por meio, principalmente, do ministério evangelístico do apóstolo Paulo, sempre tendo em mente que tudo isso é ação do Espírito Santo[2]. Ele quer nos mostrar também, como o Senhor Jesus escolhe um novo apóstolo “como um nascido fora de tempo” (1Co 15.8), e destina esse apóstolo à pregação entre os gentios. Precisamos ler o livro de Atos, principalmente, a partir deste prisma. Outra vez citando Fee e Stuart, eles dizem algo muito relevante sobre a intenção de Lucas:
“O propósito de Atos é convencer Teófilo de que ninguém pode prejudicar a vitoriosa marcha do evangelho de Cristo. Por essa razão, Lucas relata a Teófilo o progresso das boas-novas de Jerusalém até Roma. Ele o faz em harmonia com a Grande Comissão que Jesus deu aos seus seguidores (Mt 28.19). Em Atos, Lucas mostra a Teófilo que os apóstolos certamente se aplicaram a cumprir o mandamento de Jesus (comparar com 1.8). Lucas demonstra que Deus desejava espalhar o evangelho e enviou o Espírito Santo para promover a causa do reino. Em seu primeiro livro, Lucas revela que Jesus é o Messias a respeito de quem os profetas do Antigo Testamento profetizaram e que viria para cumprir as promessas messiânicas. Em seu segundo livro, ele retrata como o evangelho entra no mundo e como o nome de Jesus é proclamado a todas as nações.”
(Kistemaker, S. (2016). Atos. É. Mullis & N. B. da Silva, Trads. 2a edição, Vol. 1, p. 55. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã).
[2] Alguns chegaram a propor que o livro de chamasse Atos do Espírito Santo.
O mundo de Atos é o mundo dos evangelhos, porém, do lado de fora dos muros de Jerusalém. E este mundo cultural, político e religioso tem início um pouco antes do Império Romano, que era o império vigente na época de Atos.
Em 337 a.C., Filipe da Macedônia é assassinado (a mesma Macedônia que Paulo vai ser conduzido em visão para ir pregar em At 16), Filipe havia organizado os macedônios em um Estado militar unido, num espaço de vinte anos conseguiu submeter as cidade-estado gregas e quando morreu já havia feito uma aliança com os gregos que tinha como objetivo chegar até a Ásia. Após morrer sua liderança passa para seu filho Alexandre, conhecido como Alexandre o Grande, ou Alexandre Magno. Alexandre tinha a mesma agressividade e o mesmo gênio militar do pai, ele assume o poder com apenas vinte anos de idade. Tendo sido educado sob a tutela de Aristóteles possuía profunda admiração pelas tradições e ideais helênicos. Ele derrotou os persas em 334 na batalha do rio Granico, depois derrota novamente os persas na batalha de Isso, o que lhe deu domínio sobre toda a Ásia Menor, subjugou a Síria e o Egito ao sul. Após, foi para o leste derrotando de vez o que ainda restava das forças persas, seguindo para Babilônia e chegando até a Índia. Em todo este percurso o marcante nas campanhas de Alexandre foi a fundação de suas Alexandrias, que eram cidades que funcionavam como um celeiro da cultura e da língua grega nas regiões conquistadas, a mais famosa delas foi a Alexandria do Egito, fundada por Alexandre em 331 a.C., no delta egípcio ocidental, entre o mar Mediterrâneo e o Lago Mareotis. Alexandre morre em 324 a.C., com apenas trinta e dois anos de idade, sem deixar filhos para sucedê-lo no trono. Logo após sua morte seu império será dividido entre alguns de seus generais, Ptolomeu, Antígono, Lisímaco e Cassandro.
Após o império Macedônio de Alexandre, o próximo império a se solidificar foi o Romano. Após a morte de Júlio César em 44 a.C., Otávio Augusto, o primeiro imperador romano, reorganizou o estado, construiu várias estradas e absorveu em seu império a cultura, a língua e os deuses gregos, dando origem ao que ficou conhecido como o mundo Greco-Romano. Pela facilidade logística e cultural, na parte do Mediterrâneo oriental e no Oriente o idioma falado era o grego, na parte Ocidental predominava o Latim, mas isso não invalidava o uso também do grego, “a cultura material e moral de Roma foi fruto de um processo de assimilação da civilização helênica” (Paul Veyne, apud Franklin Ferreira. A Igreja Cristã na História, das origens aos dias atuais. Fiel. 2013. p. 23).
O pastor Franklin Ferreira afirma o seguinte sobre o Império Romano:
“As regiões mais prósperas eram a Tunísia, a Síria e a Turquia. Nessa época o mundo romano era dividido em trinta e sei províncias. Onze eram senatoriais, administradas por um procônsul, e vinte e cinco eram imperiais, onde ficavam estacionadas as legiões, governadas por um legado pretor (legados Augusti pro praetore). Entre estas últimas províncias, dez (como a Judéia e o Egito) eram dirigidas por um procurador (procurator ou praefectus). Nessa estrutura, a cidade era a menor unidade administrativa e a área rural ao seu redor fazia parte dela. Nessa conjuntura, um elemento importante era o exército romano, que então foi reorganizado. Era composto de vinte e oito legiões e mais um grande número de formações auxiliares (auxilia) de infantaria leve, arqueiros e cavalaria, todos constituídos de tropas da Gália, Germânia, Ilírica, Galácia, Síria e Egito. Em meados do século II, o exército tinha aproximadamente 300 mil homens, defendendo um império de cerca de 60 milhões de pessoas. Após sua morte, Otávio Augusto foi sucedido por Tibério (42 a.C. – 37 d.C.), Caio (12 – 41), Cláudio (10 a.C. – 54 d.C.0 e Nero (37 – 68). Com o suicídio deste último, seguiu-se novo período de guerra civil, conhecido como o ano dos quatro imperadores (69). Ao final desse ano, o comandante das forças militares romanas em combate na primeira guerra judaico-romana, Vespasiano (9-79), foi aclamado imperador. A ele seguiram seus filhos Tito (38-81) e Domiciano (51-96), cujo assassinato inaugurou o período dos cinco bons imperadores: Nerva (30-98), Trajano (53-117), Adriano (76-138), Antonino Pio (86-161) e Marco Aurélio (121-180). Nessa época, o Império Romano atingiu sua expansão máxima, estabelecendo-se, assim, a paz romana (pax romana). Todavia, ao fim desse período, Cômodo (161-192) se tornou imperador, iniciando um longo período de instabilidades políticas.”
(Franklin Ferreira. A Igreja Cristã na História, das origens aos dias atuais. Fiel. 2013. p. 23, 25).
Um ponto a se destacar nesse período da história, e que fez parte do contexto direto do livro de Atos foi a famosa Pax Romana. Augusto mantinha essa paz pela força dos seus exércitos que ficavam aquartelados nos limites de todo império, assim, os cidadãos podiam viver e transitar tranquilamente. Os rios Reno e Danúbio eram fortemente guarnecidos e patrulhadas por patrulhas navais e o sistema de estradas se desenvolveu de forma rápida.
“Uma verdadeira rede de estradas se estendia a partir do Marco de Ouro, em Roma, para todos os cantos do império, e eram conservadas em bom estado. Esse sistema viário tinha outras grandes vantagens, principalmente o incentivo ao comércio e a promoção de viagens e contato social entre os diferentes povos do império, moldando dessa forma uma civilização cada vez mais homogênea no mundo mediterrâneo. As oportunidades de difusão do evangelho proporcionadas por esse modo fácil e seguro de viajar foram amplamente exploradas pelos primeiros cristãos, e tanto o Novo Testamento quanto a literatura do segundo século descrevem como normais viagens de grande distância que dificilmente seriam possíveis depois da queda do império até tempos modernos. Uma inscrição muito citada, encontrada no túmulo de um comerciante de Hierápolis, na Ásia Menor, menciona que ele viajou para Roma nada menos que 72 vezes. Ele não precisava de passaporte em qualquer parte do império. Se não transportasse mercadorias, não pagava nenhuma tarifa aduaneira, apesar de ter de pagar uma pequena taxa pelo uso da estrada. Nas páginas do livro de Atos, transparece que os cristãos utilizavam ao máximo o sistema viário romano, que inconscientemente direcionava sua evangelização. O que um comerciante podia fazer por dinheiro um cristão podia fazer pela causa do evangelho”.
(Michael Green. Evangelização na Igreja Primitiva. Vida Nova. 2020. p. 30,31).
Além disso, como anteriormente mencionado, a língua grega também foi fundamental. Quase toda a educação em Roma era ministrada em grego. Os tutores gregos, eram na sua maioria cativos importantes e geralmente muito convencidos de sua superioridade cultural. Com isso ensinavam em grego e nem se preocupavam em aprender outro idioma. Com esse contexto fica fácil entender o porquê de todo o Novo Testamento ter sido escrito e grego.
A Religião
A religiosidade no império era algo muito diversificado com todas as seitas sendo politeístas, além disso, o mundo grego-romano era inundado de religiões de mistério que na realidade tinha um caráter de supertitiones helenistas, Roma não proibia esses cultos, a não ser que se tornassem culpados de alguma ofensa ao estado. O judaísmo era uma das poucas seitas que era considerado como religio[3], e não simplesmente uma supertitio. Os Judaísmo por ter um caráter de religio era permitido se abster da adoração ao imperador e demais práticas comuns no império, as demais não possuíam esse caráter. No início o cristianismo, por ser considerado uma seita do judaísmo gozava desses mesmos privilégios, porém, com o passar do tempo e quanto mais ficava claro que o cristianismo era desassociado no Judaísmo, os cristãos passaram a ser perseguidos pelo estado pela sua recusa de adorar outros deuses e sobretudo, adorar o imperador.
Tendo esse contexto histórico, político e religioso em mente, vamos analisar os capítulos do livro de Atos, para entender um pouco do que esse livro tão rico e tão importante tem para nos oferecer.
[3] Os romanos faziam uma distinção fundamental entre religio e supertitio. A primeira designava a religião oficial, principalmente a religião estatal romana; era o vínculo formal entre as pessoas e os deuses. Os romanos demonstravam um profundo respeito pelas religiões de outros povos. Eles nunca fizeram guerra contra qualquer deus. Até mesmo tentavam identificar a divindade estrangeira com algum deus deles que exercesse a mesma função e, quando não havia candidato óbvio, simplesmente acrescentavam esse deus ao seu panteão. O respeito mútuo caracterizava a atitude dos romanos e dos outros povos em relação aos deuses de cada um, e isso funcionou muito bem até encontrarem os judeus. Estes, que eram defensores de um monoteísmo exclusivista, recusaram-se a deixar que Yahweh fosse acrescentado ao panteão ou identificado com Júpiter. Ele era o deus de toda a terra, e ele adorariam somente a ele. Para os romanos, essa atitude era excêntrica e bitolada, mas eles eram um povo prático, adaptável e tolerante da perspectiva da religião, como em tantas outras coisas. Eles permitiram aos judeus ser uma exceção e adorar Deus a sua maneira, desde que orassem pelo Estado romano. Assim, os judeus efetivamente se tornaram o único povo do império que era taxado por sua religião. Mas ainda não eram perseguidos por causa da sua fé.
As supertitiones por sua vez configuravam as expressões religiosas particulares. Não eram religio, não podia ser descrito como um vínculo entre um povo e seu deus. O cristianismo era uma fé que abrangia pessoas de todas as raças e procedências, tanto bárbaros quanto civilizados.
A atitude dos romanos em relação às convicções religiosas particulares, supertitiones, também era muito tolerante, desde que o culto em questão não atentasse contra a decência e a ordem. Havia, no entanto, certas caregorias de supertitiones que Roma não podia tolerar: as que envolviam necessariamente comportamento antissocial ou criminoso. (Adaptado de Evangelização na Igreja Primitiva, Michael Green, Edições Vida Nova, 2020, p. 53-55).
Capítulo 1
Lucas inicia seu relato fazendo menção às palavras de Jesus. Nos três primeiros versículos ele apresenta Teófilo (Θεόφιλε: amigo de Deus), o destinatário do livro. Há muitas especulações a respeito de quem foi esse homem, sendo a opinião majoritária de que foi alguém de importância social. Há quem diga também, que Teófilo foi o patrocinador da obra de Lucas.
Em seu evangelho, Lucas diz que Teófilo foi, ou estava sendo, instruído na Palavra de Deus: “para que você tenha plena certeza das verdades em que foi instruído” (Lc 1.4). Embora a identidade de tal homem não seja confirmada é possível que tenha se convertido e buscava ter em mãos um relato fidedigno das obras realizadas pelo Cristo em que agora cria.
O último tema apresentado no evangelho de Lucas foi a ascensão de Jesus aos céus (Lc 24.50-53). Já no início do livro de Atos dos Apóstolos, no versículo (vs) 2, o autor faz uma conexão entre as obras, citando novamente o mesmo evento: o Cristo ressuscitado (vs 3) prepara os apóstolos para vida no Espírito. Nos versículos seguintes, Jesus os manda esperar, em Jerusalém, a vinda do Espírito Santo e, em contraste ao batismo que João havia realizado com água, seriam batizados com o Espírito Santo.
Nos vs de 6 a 11, Lucas detalha a ascensão de Jesus, e no vs 8 incumbe-os do mandato missionário mundial, ou seja, levar o Evangelho para todo o mundo, começando em Jerusalém, passando para toda a Judéia, Samaria e até os confins da terra. Sendo assim, o ministério terreno de Jesus se encerra com essa segunda narrativa em que Lucas apresenta sua ascensão aos céus (At 1.9-11; cf também Lc 24.50-51), uma exposição que serve de transição entre seu evangelho e Atos.
Lucas descreve então a permanência dos apóstolos em Jerusalém e apresenta a escolha de Matias para substituir Judas (At 1.12-26). É importante perceber os critérios que Pedro retrata nos vs 21 e 22 para a escolha do substituto. Após a escolha de Matias, é feita uma oração e o colégio apostólico passa a contar novamente com 12 apóstolos. Neste ponto, nota-se que após a ascensão de Jesus no vs 9, Pedro passa a ser o personagem principal do relato.
Capítulo 2
O capítulo 2 inicia mostrando que todos permaneceram onde Cristo os havia ordenado a permanecer, ou seja, em Jerusalém, e já no vs 1 somos informados de que “ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar”. O termo pentecoste deriva de uma palavra grega que significa quinquagésimo. Constituía-se de uma festa judaica que acontecia no 50º dia após o sábado da semana da Páscoa (Lv 23.15,16)[4].
No vs 2, Lucas registra que, de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso e encheu toda a casa (ἦχος ὥσπερ φερομένης πνοῆς βιαίας: ichos hosper pheromenis pnis viaias). O Termo grego ἦχος (ichos) é um substantivo que significa som, barulho, ruído. Junto a ele está ὥσπερ (hosper) que aqui tem função comparativa, ou seja, compara o substantivo som ao que vem a seguir que é φερομένης πνοῆς βιαίας (pheromenis pnis viaias) que poderia ser traduzido como: “um vento trazido de forma violenta”. Dessa forma, a construção toda ficaria: “um som semelhante a um vento, trazido de forma violenta”. Pode-se observar que Lucas em momento algum afirma ter vindo um vento, mas sim, um som, como de um vento, o termo vento aqui é usado de forma comparativa, para descrever o som.
No vs 3, é dito que apareceram distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Outro detalhe a ser observado é o sentido de o autor utilizar γλῶσσαι ὡσεὶ πυρός (glosse hosei pyros) “línguas como de fogo”, que segue a mesma construção do vs 2 indicando o sentido comparativo da expressão. O termo grego ὡσεὶ (hosei) tem a mesma ideia do hosper do verso anterior e é usado como análogo. É válido recordar que o próprio texto em português evidencia a comparação ao usar o advérbio em todas as principais traduções, sendo a única exceção a essa regra, a NVI que no vs 3 expõe a seguinte tradução: “E viram o que parecia línguas de fogo”, no entanto, tal tradução corrobora ainda mais com a ideia de comparação.
No vs 4, o autor informa que todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem. Note que o falar em línguas do vs 4, em nada se relaciona com a línguas vistas sobre eles no vs 3. Enquanto “línguas de fogo” no vs 3 tem o sentido da aparência do que foi visto sobre eles, no vs 4, “falar em outras línguas” se refere a falar um outro idioma de forma miraculosa e sobrenatural, (o texto em momento algum fala em língua dos anjos) a prova disso está na seção a seguir.
Dos vs 5 a 13, o autor expõe que habitavam em Jerusalém homens piedosos vindo de todas as nações debaixo do céu e que quando as pessoas ouviram o alvoroço uma multidão saiu para ver o que estava acontecendo, atentando para o fato de que aquilo que viram lhes causou grande perplexidade, pois, ouviam aqueles homens simples da Galileia falando das maravilhas de Deus em seu próprio idioma, era como se ali estivesse um alemão, e de forma miraculosa ouvisse um simples Galileu falando das maravilhas de Deus em Alemão, sem nunca ter feito nenhum curso de idiomas. Segundo o relato de Lucas havia ali no mínimo 15 nacionalidades diferentes e ouvia-se os discípulos falarem das maravilhas de Deus em seu próprio idioma.
É inegável o alcance do poder de Deus e as consequências que o Pentecoste traria para o futuro da igreja, já que representantes de vários países e povos são mencionados como testemunhas do Pentecoste. De acordo com a Bíblia de Estudo Arqueológica, os Partos habitavam o território que ia do Rio Tigre até a Índia; os Medos habitavam a Média que ficava a leste da Mesopotâmia; os Elamitas habitavam Elão, no norte do Golfo Pérsico; a Mesopotâmia situava-se entre os rios Eufrates e Tigre; a Judeia era a terra natal dos judeus; Capadócia, Ponto e Ásia eram distritos na Ásia Menor; a Frígia e a Panfília também eram distritos da Ásia Menor; o Egito, o mesmo conhecido por todos; a Líbia ficava à oeste do Egito; Cirene era capital de um distrito da Líbia chamado Cirenaica; Roma era a capital do império e lar de muitos judeus; os cretenses viviam em Creta, a quarta maior ilha do mar Mediterrâneo e os Árabes eram provenientes de uma região a sudoeste. Todos estes homens, eram judeus espalhados pelo mundo. Levando em consideração que em 722 a.C., cai o Reino do Norte sob o poder dos assírios e em 586 a.C., cai o Reino do Sul sob o poder dos babilônios, não é difícil entender o porquê de anos depois, termos comunidades judaicas espalhadas por todo o mundo conhecido da época, espalhados por territórios que faziam parte desses impérios caídos e que agora pertenciam ao Império Romano.
A Pax Romana, também contribuía para que os judeus peregrinassem até Jerusalém para participarem de suas festas religiosas. É neste momento, em uma grande festa, que o Espírito Santo vem sobre seu povo, e todos aqueles homens ouvem a respeito dos mistérios de Deus em seu próprio idioma, o que os faz chegar perto e ouvir o que Pedro pregaria na sequência.
Algumas observações a serem feitas no texto.
- Note que em momento algum o texto dá a ideia de que tais línguas eram uma verborragia que somente Deus ou o Espírito Santo entendiam, aqueles homens que ali estão entendem o que está sendo falado.
- Observe também que não havia a necessidade de intérprete, cada um ouvia em sua própria língua perfeitamente.
- O texto não conecta as línguas faladas por esses homens com uma evidência de um batismo no Espírito Santo.
- Em momento algum no texto é dito que eles estavam orando, clamando e pedindo fogo do céu. O texto diz que eles estavam reunidos e de repente iniciou-se a manifestação do Espírito.
- O texto não diz que eles saíram pulando, girando, gritando ou fazendo algo do tipo, mas sim que falavam de forma direta e compreensível sobre as grandezas de Deus.
- Não é relatado no texto que houve pessoas que desistiram de esperar a descida do Espírito Santo e foram embora, tendo recebido o Espírito somente aqueles que se esforçaram e ficaram até o fim. Em 1.15, somos informados que havia cento e vinte pessoas na escolha de Matias e ao que tudo indica este mesmo número de pessoas permaneceu até a descida do Espírito Santo como referido em 2.1: “estavam todos reunidos”.
Algumas pessoas julgaram que os discípulos estavam bêbados e aproveitando essa oportunidade, Pedro se levanta apresentando a defesa de que não estavam bêbados e profere um discurso notável indicando que aquele acontecimento era o cumprimento da profecia de Joel, mostrando que, em Cristo, os salmos messiânicos de Davi se cumprem. O resultado foi esplêndido já que a reação das pessoas foi a mesma de quando João Batista pregava o arrependimento no Jordão (Lc 3.10): “Que faremos, irmãos? Pedro respondeu: Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados, e vocês receberão o dom do Espírito Santo. Porque a promessa é para vocês e para os seus filhos, e para todos os que ainda estão longe, isto é para todos aqueles que o Senhor, nosso Deus chamar” (Atos 2.38,39). O texto informa que quase três mil pessoas creram na pregação de Pedro e foram batizadas naquele dia.
Ao que o texto indica, no vs 42 está a conclusão do 41, ou seja, os que aceitaram a palavra de Pedro, creram e foram batizados perseveravam na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações. A seção é finalizada expondo que todos os que creram, de forma voluntária, tinham tudo em comum e seguiam louvando e engrandecendo a Deus.
[4] Eles também a chamavam de “Festa das semanas” (Dt 16.10), “Festa do encerramento da colheita” (Êx 23.16) e “Festa da colheita dos primeiros frutos” (Nm 28.26).
Capítulo 3
Lucas dá início a essa seção descrevendo a cura de um aleijado na porta do templo (At 3.1-10), Pedro e João seguiam para o templo e se deparam com um paralítico sendo levado para a porta formosa. Quando este homem vê Pedro e João, lhes pede uma moeda ao que Pedro e João dizem que não tem ouro nem prata, mas tem o maior de todos os tesouros, Jesus Cristo. Impressiona aqui que o milagre operado por meio desses homens em nada está relacionado aos supostos milagres que alguns dizem acontecer em nossos dias. O milagre relatado aqui se assemelha aos milagres que Jesus operava, ou seja, a cura acontece de forma imediata. Os vs 7 e 8 dizem que: “Imediatamente (παραχρῆμα; parachrima – instantaneamente) os seus pés e tornozelos se firmaram; e, dando um salto ficou de pé, começou a andar e entrou com eles no templo, pulando e louvando a Deus”. Tem-se um relato claro de um homem que há muito não andava e que agora, se levanta de um salto e anda e pula instantaneamente, sem necessidade de fisioterapia, sem necessidade de alguém ficar ao seu lado o amparando enquanto temia que ele caísse.
Esse milagre público, mais uma vez conquista para Pedro um público para outro sermão missionário (At 3.13-26). Um ponto de extrema relevância aqui é que a pregação de Pedro é totalmente centrada em Cristo, Pedro enfatiza a morte e ressurreição de Jesus e a necessidade de arrependimento por parte dos judeus que o ouviam. Alguns pontos a considerar neste sermão de Pedro:
- Pedro liga o Deus de Abraão, Isaque e Jacó a Jesus (vs. 13).
- Pedro afirma, categoricamente, que foram os judeus que mataram Jesus (vs 13-15).
- Pedro afirma que a fé no nome de Jesus curou aquele homem. (vs 16).
- Pedro afirma que o que o povo e as autoridades fizeram foi por ignorância e que dessa forma Deus cumpriu os seus propósitos. (vs 17 e 18).
- Pedro chama o povo ao arrependimento dos pecados (vs 19 e 20).
- Pedro afirma que todas aquelas coisas eram cumprimento do que disseram os profetas (vs 21- 26).
No capítulo 4, em virtude do teor da pregação de Pedro, se levanta oposição por parte do Sinédrio, e Pedro e João são presos. O Sinédrio era uma espécie de tribunal superior judaico, que se ocupava do julgamento de pessoas acusadas de infringir as leis judaicas religiosas. Pedro e João ousadamente resistem ao pedido do Sinédrio para que parassem de falar “em nome de Jesus” (At 4.1-22) e Pedro responde que é muito melhor obedecer a Deus do que aos homens.
A igreja, cheia do poder do Espírito, acompanha os apóstolos, pregando com ousadia a Palavra de Deus (At 4.23-31).
O capítulo 5 nos mostra que já nesses primeiros dias de vida, a igreja encontrava dificuldades. Tanto Ananias quanto Safira, sua esposa, mentem a respeito do preço de um campo que venderam e são mortos na hora pelo próprio Deus. A morte de ambos traz grande temor a toda comunidade, mostrando que não se deve tentar enganar a Deus (At 5.1-11).
A pregação e as curas realizadas pelos apóstolos mais uma vez causam oposição por parte dos líderes judeus e em consequência disso os apóstolos são presos. De forma milagrosa, um anjo aparece e os livra da prisão e uma vez soltos eles retornam ao templo onde continuam pregando e ensinado o povo. Os homens do Sinédrio ficam atônitos sem saber o que fazer com aqueles homens.
Gamaliel, um rabino importante daqueles tempos, aconselha moderação e os apóstolos, após serem açoitados e mais uma vez advertidos a não falarem sobre Jesus, são soltos. O vs 41 nos mostra que eles se regozijavam por terem sido considerados dignos de sofrerem afrontas por causa do nome de Jesus. O vs 42 finaliza o capítulo mostrando que eles estavam todos os dias pregando e ensinando, no templo e de casa em casa. (At 5.17-42).
A Instituição dos Diáconos, Estêvão e Samaria
Capítulos 6 e 7
No capítulo 6, Lucas introduz uma nova fase no desenvolvimento da igreja. Seu crescimento incessante cria problemas administrativos que afetam sua união. Os 12 apóstolos ensinaram o povo a doutrina apostólica, evangelizaram as circunvizinhanças de Jerusalém, detinham a responsabilidade de distribuir as ofertas colocadas em seu poder para aliviar as necessidades dos pobres. Surge nesse ponto um contratempo entre os judeus de fala grega, cujas viúvas sofrem de negligência em relação à distribuição diária de alimentos. É importante perceber que o termo “helenistas” se refere aos judeus de fala grega e não a gentios. Provavelmente tratava-se de judeus convertidos na ocasião do dia de pentecostes, que anteriormente habitavam em outras partes do império e que agora residiam em Jerusalém. A fim de se entregarem inteiramente à pregação da Palavra, os apóstolos nomeiam sete homens que assumiriam o controle da distribuição de alimentos na comunidade e com isso sanariam a questão (At 6.1- 6). É importante ressaltar que tais homens deveriam ser de boa reputação, cheios do Espírito Santo e cheios de sabedoria.
Em seu primeiro resumo de seção, dentre outros que virão, o autor sintetiza uma sequência de acontecimentos ao dizer que eles levaram ao crescimento da Palavra de Deus ou da igreja (6.7; 9.31; 12.24; 16.5; 19.20). Lucas conclui dizendo que dessa maneira “A palavra de Deus crescia e, em Jerusalém, o número dos discípulos aumentava. Também um grande grupo de sacerdotes obedecia à fé” (At 6.7. ênfase nossa).
Os primeiros cristãos eram todos judeus e o primeiro não judeu a se tornar cristão será Cornélio mencionado apenas no capítulo 9. Posto isso, até esse momento, a pregação dos apóstolos tem como alvo o judaísmo tradicional das sinagogas, cidades da Judeia e o templo. Os relatos seguintes nos mostram como a igreja começou a se expandir para além do judaísmo tradicional. Nesta parte, Estevão é o principal personagem. Ele é acusado falsamente de pregar contra o templo (6.8-15) e é então levado ao Sinédrio para ser interrogado a respeito de seu ensino, ali ele usa de forma admirável a história de Israel para mostrar que Deus não se limita à apenas um local e um povo. Somado a isso ele acusa os membros do Sinédrio de serem resistentes ao Espírito Santo (7.1-53). Como consequência Estevão experimenta na pele a fúria do povo incrédulo e é apedrejado (7.54-60).
O capítulo 8 nos informa que, naqueles dias, provavelmente por causa da repercussão da pregação de Estevão, se levantou grande perseguição contra a igreja em Jerusalém, fato que leva os cristãos a se dispersarem pelas regiões da Judeia e alguns desses dirigem-se até Samaria, ficando somente os apóstolos em Jerusalém. É substancial notar que, mesmo com a perseguição, aqueles que foram dispersos iam por toda a parte pregando a Palavra de Deus. Filipe começa um proeminente ministério em Samaria, com curas, exorcismos e sinais miraculosos, o que faz com que um mago da cidade abrace a fé e acompanhe Filipe de perto. Os apóstolos em Jerusalém ao ficarem sabendo dos acontecimentos em Samaria enviam Pedro e João para lá, chegando em Samaria eles oram e o Espírito Santo desce sobre os Samaritanos.
É importante destacar nesse ponto o fato de que muitos leem Atos e interpretam que o Espírito Santo está continuamente descendo sobre os crentes no decorrer da pregação e da vida da igreja, entretanto, somos informados por Lucas que isso acontece em apenas alguns momentos. Primeiro no capítulo 2, quando o Espírito desce sobre os Judeus que estavam em Jerusalém aguardando o cumprimento da promessa. Depois aqui no capítulo 8, o Espírito desce sobre os Samaritanos, novamente o Espírito descerá sobre Cornélio e sua família no capítulo 10 e por fim descerá sobre os discípulos de João Batista no capítulo 19, eliminando uma suposta cisão entre esses grupos e igualando o ministério de Paulo ao de Pedro no sentido apostólico. O que se tem aqui então, é o Espírito vindo ao povo em Jerusalém, Samaria e aos gentios e, com exceção de Atos 2, o Espírito está vindo como confirmação da conversão e da aceitação na igreja de pessoas que faziam parte do grupo dos excluídos inicialmente, ou seja, samaritanos e gentios. O próprio Senhor Jesus havia ordenado em seu ministério terreno, que os discípulos não entrassem em aldeias de samaritanas (Mt 10.5). Agora, no entanto, o Espírito desce sobre esses povos.
Havia uma rixa histórica entre os judeus e os samaritanos. Em 931 a.C. o Reino de Israel é dividido em duas partes, parte norte e parte sul, que ficaram conhecidos como Reino do Norte e Reino do Sul, respectivamente. Durante cento e vinte anos, o território havia sido regido de forma unificada, nos reinos de Saul, Davi e Salomão e agora após a morte de Salomão o cenário é alterado. O primeiro rei do Norte foi Jeroboão filho de Nebate e o primeiro rei do Sul, foi Roboão filho de Salomão. Jeroboão foi um rei ínfimo e temendo que o povo, ao descer a Jerusalém para adorar a Deus no templo, se voltasse para Roboão, constrói dois bezerros de ouro, colocando um na parte norte do seu reino e outro na parte sul, criando dessa forma dois lugares de adoração e impedindo que as pessoas desçam à Jerusalém para participar dos cultos. Além disso, ele também instituiu um sacerdócio diferente que não seguia as prescrições que Deus havia deixado na lei de Moisés.
O que se segue é que durante aproximadamente 200 anos, nenhum dos 19 reis do Norte foi temente a Deus. Os Assírios eclodem como um império muito poderoso, e tinha uma política expansionista de mesclar cidadãos dos locais conquistados para enfraquecer qualquer tipo de aliança militar que tentasse se amotinar contra seu domínio. Em 722 a.C., os Assírios invadem o reino do Norte, levam os habitantes cativos para outros lugares e trazem pessoas de outras partes do império colocando-os morando onde antes era o Reino do Norte. Os judeus do Sul não veem isso com bons olhos, uma vez que aqueles cidadãos que agora ali estão não são de fato hebreus, mas sim pessoas vindas de outro lugar que apenas haviam sido forçadas a se mudar para ali, sendo, portanto, gentios. Com isso as relações entre esses dois povos vizinhos são cortadas.
Em 586 a.C., o império vigente era o Império Babilônico e a Babilônia invade o reino do Sul, levando os cidadãos cativos, porém alguns anos depois em 516 a.C., sob o regime de Ciro da Pérsia, que é agora o império dominante, é permitido que os judeus voltem para seu território. Ao retornarem e estando nos trabalhos de reconstrução dos muros da cidade, alguns cidadãos do reino do Norte, que agora são conhecidos como samaritanos, por causa da antiga capital desse reino, se oferecem para ajudar, iniciativa que os judeus rejeitam e, como consequência, os samaritanos agora tentam atrapalhar os judeus na reconstrução dos muros. Esses dois eventos esclarecem o porquê da cisão entre judeus e samaritanos e reforça a necessidade de que, para que os samaritanos fossem aceitos na igreja deveria haver algo sobrenatural, e o algo sobrenatural, foi a descida do Espírito Santo sobre eles.
Em decorrência da perseguição e expansão dos cristãos por diversas regiões, Filipe prega em Samaria e os apóstolos que estavam em Jerusalém enviam dois representantes, também apóstolos, para averiguar o que estava acontecendo. Não se trata de coincidência o fato de o Espírito descer apenas no momento que os apóstolos chegam e isso se dá para confirmar para os apóstolos e para aqueles que os haviam enviado que o evangelho verdadeiramente havia chegado aos samaritanos. Deus confirma isso enviando seu Espírito sobre eles, esclarecendo que não havia dúvidas, não havia erros: o mesmo que aconteceu com os discípulos em Jerusalém, agora acontece com os Samaritanos. A mensagem era clara: Deus os incluiu e aceitou.
O capítulo finaliza nos contando a história de Filipe e o eunuco da rainha de Candace, o eunuco ia pelo caminho lendo o profeta Isaías sem entender nada daquilo que lia. Após a interpretação correta feita por Filipe, o judeu etíope crê e pede para ser batizado. Atenta-se aqui à circunstância de que quando o eunuco é batizado, o texto não diz que o Espírito desce sobre ele. Se a interpretação comum, de que a descida do espírito seria algo corriqueiro, for a interpretação correta, como entender o fato do Espírito não descer sobre o Eunuco? Em seguida, após ser batizado o eunuco segue seu caminho e o Espírito conduz Filipe para outro lugar.
Capítulo 9
Lucas conclui suas narrativas em torno de Estêvão e Filipe, e agora dá sequência relatando as atividades de Saulo. O autor sugere que a obra evangelística de Filipe serve como transição e que o leitor deve voltar sua atenção para Saulo, totalmente determinado a destruir a igreja.
No capítulo anterior Lucas retrata Saulo como o perseguidor dos crentes de Jerusalém. Agora ele fornece uma descrição mais temível de Paulo em seu estado de pré-conversão: tudo o que Paulo pensa, diz e faz é dominado pelo seu desejo de aniquilar os seguidores de Jesus. Não há nenhuma razão para crer que o próprio Paulo matava os cristãos, mas ele mesmo confessa em At 26.10 ter aprovado as execuções de cristãos ao dar seu voto contra eles.
Nesta altura da narrativa de Lucas, os crentes ainda não eram chamados de Cristãos, o nome pelo qual eram conhecidos era seguidores do Caminho. O vs 2 ilustra essa afirmação quando diz que: “caso achasse alguns que eram do Caminho”. Somente na cidade de Antioquia, a partir do cap 11 é que os crentes serão chamados de Cristãos.
No vs 3 em diante, é narrado que, no curso da viagem, subitamente brilha uma luz do céu, e Saulo caindo por terra ouve a voz de Jesus Cristo, que se colocando no papel do perseguido por Saulo dá a ele ordens de entrar na cidade onde lhe seria dito o que fazer. De igual forma o Senhor Jesus aparece a um discípulo em Damasco, chamado Ananias, e lhe dá ordens de procurar Saulo. Ao encontrá-lo Ananias impõe as mãos sobre Saulo que se levanta e é batizado. Confirmando publicamente sua conversão.
Se o vs 2 informa que Saulo seguia para as sinagogas de Damasco para prender qualquer seguidor do Caminho que lá encontrasse, no vs 20, após sua conversão é ele mesmo quem prega nessas sinagogas, afirmando que Jesus Cristo é o Filho de Deus, o que era considerado blasfêmia pelos judeus que o haviam enviado para Damasco.
Nos versículos seguintes nota-se como a conversão e pregação de Saulo deixavam a todos atônitos: o perseguidor se rendeu Àquele que perseguia. Algum tempo após pregar em Damasco, Saulo vai para Jerusalém. Segundo seu relato em Gálatas, passam-se cerca de três anos entre Damasco e Jerusalém e, em virtude de sofrer ameaças de ser morto ele é enviado a Tarso.
O vs 31 é mais um resumo de seção que Lucas faz em que menciona o crescimento da igreja: “Assim, a igreja tinha paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor; e, no consolo do Espírito Santo, crescia em número”.
A partir do vs 32, Lucas direciona sua narrativa para a pessoa de Pedro, que cura o paralítico Enéias, enfermo há 8 anos. Dos vs 36 a 43 é mencionada que Dorcas, discípula notável pelas boas obras que fazia, após a intervenção de Pedro é ressuscitada e como consequência, muitas pessoas creem em Cristo naquela cidade. Nota-se que as curas não tinham um fim em si mesmo, mas sempre conduziam as pessoas a crerem em Cristo. O capítulo se encerra com Pedro ficando muitos dias na cidade em casa de Simão o curtidor.
Capítulo 10
O capítulo 10 mantém sua atenção em Pedro. É ele o responsável por incluir um gentio na igreja. O texto nos fala que este primeiro gentio tinha o nome de Cornélio (Κορνήλιος = de um chifre) e era um centurião romano que comandava uma centúria[5]. O vs 2 nos diz que Cornélio era temente a Deus. As pessoas consideradas tementes a Deus eram gentios que frequentavam a Sinagoga, mas que não haviam se circuncidado, ou seja, eles tinham consideração pelo Deus de Israel, seguiam seus ensinamentos éticos, mas não eram convertidos ao judaísmo.
Cornélio orava constantemente e dava esmolas. Certo dia, em meio à oração das três da tarde[6] ele vê um anjo que lhe diz que suas orações e as suas esmolas subiram até Deus e que ele deveria enviar mensageiros até Jope para que chamassem Simão Pedro na casa de Simão o curtidor.
No dia seguinte é Pedro que tem uma visão, por volta do meio, quando vai orar ele vê os céus abertos e um lençol que desce do céu repleto de quadrúpedes, répteis e aves, considerados imundos pela lei de Moisés (Lv 11). Junto ao lençol, Pedro ouve uma voz que lhe ordena matar e comer todos aqueles animais, ao que Pedro se nega pois, nunca provou coisa impura. A voz prontamente responde: – Não considere impuro aquilo que Deus purificou. Tal cena se repete por três vezes. Enquanto Pedro está perplexo sobre a visão os enviados de Cornélio chegam. O Espírito ordena que Pedro vá com aqueles homens, e chegando a casa de Cornélio Pedro prega o evangelho e o Espírito Santo desce sobre todos os presentes. O versículo 45 é fundamental na compreensão do motivo de Lucas narrar estes detalhes, observe: “E os fiéis que eram da circuncisão, que tinham vindo com Pedro, admiraram-se, porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo”. O texto retrata claramente o objetivo dessa passagem e somando-se a isso o que foi dito anteriormente sobre as vezes que o Espírito desce se referirem à inclusão de novos grupos na igreja, fica evidente que, muitas práticas que se tem hoje em alguns círculos sobre o pressuposto de ser um descer do Espírito Santo, não podem usar estes textos como base.
[5] Unidade militar que, em geral, era formada por oitenta homens.
[6] Horário tradicional no judaísmo de se fazer orações.
No capítulo 11, tem-se a confirmação de tudo que tem sido apresentado até agora sobre a descida do Espírito Santo. Os judeus ao ouvirem falar que os gentios haviam recebido a palavra de Deus, questionam Pedro por ele ter entrado na casa de gentios e comido com eles. Pedro conta a eles a história detalhada e diz a partir de vs 15: “Quando comecei a falar, o Espírito Santo caiu sobre eles, como também sobre nós, no princípio. Então me lembrei da palavra do Senhor quando disse: ‘João, na verdade, batizou com água, mas vocês serão batizados com o Espírito Santo.’ Pois, se Deus deu a eles o mesmo dom que tinha dado a nós quando cremos no Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a Deus? Quando os demais ouviram isso, acalmaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: – Então também aos gentios Deus concedeu o arrependimento para a vida”! (At 11.15-18 ênfase nossa). Perceba a ênfase do texto: caiu sobre eles como também sobre nós; Deus deu a eles o mesmo do que tinha dado a nós; também aos gentios Deus concedeu o arrependimento para a vida.
Ao fim do capítulo somos informados que por causa da perseguição iniciada com a morte de Estevão, os crentes se espalharam até a Fenícia, Chipre e Antioquia, no entanto não pregavam a ninguém que não fosse judeu. Alguns burlaram essa regra e começaram a pregar aos gregos e muitos destes se converteram fato que chegou ao conhecimento da igreja em Jerusalém. A igreja envia Barnabé até Antioquia e ao chegar e ver a graça de Deus se alegra muito e os exorta a permanecerem no Senhor. Considere que aqui o texto não menciona uma descida do Espírito Santo, e isso porque o Espírito já descera sobre Cornélio, o que já havia confirmado que os gentios agora, também fazem parte do corpo de Cristo. A união de gentios e judeus convertidos leva o povo de Antioquia a chama-los pela primeira vez de Cristãos.
O capítulo 12 traz o registro do primeiro martírio de um apóstolo. Tiago, irmão de João é morto a espada, provavelmente decapitado. Pedro é milagrosamente liberto da prisão por um anjo. Herodes que foi responsável pela morte de Tiago tem uma morte horrível. O texto conclui com um resumo descrevendo que “a palavra de Deus crescia e se multiplicava” e como forma de introdução somos inseridos na carreira missionária de Barnabé e Saulo.
Apesar de o apóstolo Paulo ter empreendido várias viagens missionárias, tradicionalmente elas são divididas em três viagens principais. Estima-se que a primeira durou de 46 a 48 d.C.. O itinerário iniciou em Antioquia da Síria e alongou-se até Chipre, chegando ao sul da Ásia Menor (Turquia) onde Paulo visitou várias cidades antes de retornar à Antioquia da Síria. A segunda viagem, de 49 a 52 d.C., envolveu uma viagem por terra de Antioquia da Síria através da Ásia Menor até Trôade, a noroeste, seguida por uma viagem marítima pelo Egeu até a Grécia, com visitas em Filipos, Tessalônica, Atenas e Corinto. Paulo então atravessa o Egeu e chega a Éfeso (na Ásia Menor) e de lá seguem em uma longa viagem marítima até a Judeia. A terceira viagem, de 53 a 58 d.C., mais uma vez os levou através da Ásia Menor até a Grécia.
Certos elementos da estratégia e do estilo de Paulo são evidentes em seu trabalho missionário:
- Geralmente, Paulo viajava com um companheiro de trabalho. Seus parceiros em várias jornadas foram Barnabé, Silas, Lucas e outros. Ele também se esforçou para treinar jovens cristãos no trabalho missionário, como João Marcos, Timóteo e Apolo.
- Paulo sempre se esforçou para falar em termos que fossem compreensíveis a cada público (1Co 9.22), hábito bem demonstrado durante sua segunda viagem missionária, na cidade de Atenas, na qual ele profere o sermão na colina de Marte. Encarando um tribunal educado, ele se dirige ao público usando a lógica e a poesia grega. Embora sua estada em Atenas não tenha sido particularmente bem-sucedida, essa estratégia demonstra a grande força do estilo de comunicação do apóstolo.
- De tempos em tempos, Paulo se ocupava do ofício de fazer tendas a fim de sustentar suas viagens (At 18.3). Embora acreditasse que o ministro do evangelho fosse digno de receber salário não quis se indispor ou causar inimizade por causa de apoio financeiro (1Co 9.6).
- Paulo tendia a procurar primeiramente uma sinagoga quando chegava a uma cidade para pregar. Esse encontro, geralmente, era marcado por forte oposição judaica, compelindo-o a mudar o foco para os gentios. Essa prática começou em Antioquia da Psídia (At 13.14), na qual Paulo e Barnabé, depois de enfrentar a oposição judaica, anunciaram pela primeira vez que levariam o evangelho aos gentios. Esse padrão foi mais uma vez repetido em Roma, perto do final do ministério de Paulo (At 28.26-28).
- Paulo tinha de lidar com a perseguição tanto por parte dos judeus quanto dos gentios. O apóstolo enfrentava a oposição de alguns judeus simplesmente por pregar a Jesus e, por parte de outros, por não exigir que os gentios se tornassem prosélitos do judaísmo. Os líderes judeus, às vezes, tentavam predispor as autoridades locais contra Paulo, fato que causou sua expulsão de Antioquia sob acusação de perturbar a paz (At 13.50). Paulo enfrentou também a oposição dos gentios porque levava os convertidos a abandonar seus deuses tradicionais. Embora Paulo tenha sido algumas vezes preso e açoitado pelas autoridades romanas, ele invocava sua cidadania romana em momentos estratégicos para favorecer seu ministério.
- Paulo demonstrava profundo compromisso com as igrejas que implantou, e seus vínculos emocionais com os novos convertidos eram profundos (2Co 6.4-13). Trabalhava em prol das igrejas nascentes noite e dia (1Ts 2.9) e orava por elas continuamente. Durante suas viagens, Paulo visitava as igrejas, analisando seu crescimento e ministrando a elas. Também escreveu cartas a várias igrejas durante todas as suas viagens missionárias.
Capítulos 13 e 14
A partir daqui, Lucas retira o enfoque de Pedro e Paulo é quem assume o domínio do tema restante do livro. Para Lucas a importância de Paulo repousa no fato de que ele foi usado por Deus para ser o pioneiro num extenso ministério para levar o evangelho até os confins da terra, sobretudo para levá-lo aos gentios.
O texto começa dizendo que na igreja de Antioquia havia profetas e mestres. Antioquia era uma cidade com extrema importância no contexto do Novo Testamento. Seleuco Nicátor, fundador do Império Selêucida em 312 a.C. (alguns colocam esta data em 306), fundou ao todo dezesseis Antioquias em homenagem a seu pai, Atíoco. O Novo Testamento menciona apenas duas, uma na Síria (At 13.1) e outra na Psídia (At 13.14). Antioquia da Síria, era a capital da Síria, somente na Síria havia cinco Antioquias. No primeiro século essa cidade foi a maior do Império Romano, tendo uma população de aproximadamente 500 mil habitantes. Essa cidade tem profundas ligações com igreja primitiva. Nicolau, um dos primeiros diáconos era de lá (At 6.5). Durante a perseguição que se seguiu após o apedrejamento de Estevão, muitos cristãos de Jerusalém fugiram para lá. Inácio, o bispo e mártir também eram dessa cidade.
Há discussão se os termos profetas e mestres se referem a ofícios separados ou se uma mesma pessoa podia ser tanto um quanto o outro. Quando Paulo fala sobre “pastores e mestres” (Ef 4.11); para ele esse ofício tinha uma função dupla. De qualquer forma, no texto de Atos, Paulo cita cinco nomes, mas não especifica quem é profeta, ou quem é mestre.
Barnabé é citado primeiro. Ele foi comissionado pela igreja e exercendo um papel de liderança nesse grupo, é ele quem vai à Tarso para trazer Paulo. Simeão, chamado Níger, é provável que houvesse mais de um Simeão, por isso a necessidade de mencionar um sobrenome. A palavra Níger, do latim: negro, certamente se refere à cor da pele de Simeão. Alguns tentam associar Simeão com o Simão que ajudou Jesus a carregar a cruz (Mt 27.32), mas não há como confirmar essa associação. Manaém é a forma hebraica de Menahem, que significa “consolador”. Lucas nos diz que ele foi criado junto com Herodes, provavelmente um irmão de criação, ou um servo nascido na casa. E por último, Saulo.
A igreja de Antioquia, à qual Paulo fora trazido por Barnabé, é levada pelo Espírito a enviar Paulo, junto com Barnabé e João Marcos, à primeira viagem missionária (At 12.25-13.3). A viagem leva-os primeiramente à Chipre, terra natal de Barnabé, onde acontece um embate entre Paulo e o mágico Elimas. Paulo pregava o evangelho para o Procônsul Sérgio Paulo, porém Elimas se opunha às palavras de Paulo, este o repreende e o amaldiçoa com uma cegueira, tal ato sobrenatural contribui para que o Procônsul creia no evangelho. (At 13.4-12). João Marcos, que os estava auxiliando, retorna a Jerusalém. O motivo deste retorno não é informado, entretanto este fato trará sérias consequências futuramente.
Eles velejam para o litoral sul da Ásia Menor, onde rapidamente se dirigem à importante cidade de Antioquia da Pisídia. Ali, entram numa sinagoga e Paulo prega um sermão evangelístico, sermão do qual Lucas dá um resumo, oferecendo-nos uma amostra da maneira como Paulo pregava a ouvintes judeus (At 13.13-43). Lucas parece traçar um paralelo entre o ministério de Pedro que foi relatado na primeira parte do livro e o ministério de Paulo, observe: Pedro começa pregando no dia de Pentecostes, Paulo prega um grande sermão em Antioquia. Pedro e João curam o paralítico na porta do templo, Paulo e Barnabé curam um paralítico em Listra. Pedro é preso e açoitado, Paulo é apedrejado. A inclusão desses paralelos parece acontecer para mostrar que Paulo é tão apóstolo quanto Pedro.
Após a pregação de Paulo vemos pela primeira vez, cenas que se tornam um padrão: a rejeição do evangelho pelos judeus de forma geral, o que leva Paulo e seus companheiros a se dirigirem diretamente aos gentios, que muito se alegram e glorificam a Deus por isso. Seguindo-se de uma perseguição pelos judeus, que os leva a prosseguirem viagem (At 13.44-52).
Adiante eles seguem para Icônio (At 14.1-7). Mais uma vez os judeus se opõem à mensagem do evangelho e para não serem apedrejados eles fogem para Listra. Em Listra, Paulo cura um homem aleijado e com isso os habitantes pensam que Barnabé e Paulo são deuses que desceram até eles: a Barnabé, chamavam Júpiter, e a Paulo, Mercúrio. Os sacerdotes desses deuses trazem animais para serem sacrificados em honra dos apóstolos, que se recusam a permitir que isso aconteça. Os judeus que os estavam perseguindo desde Antioquia, chegam nessa cidade e instigam a multidão para apedrejarem Paulo. O apedrejamento é consumado (At 14.8-20) e após Paulo ser dado como morto, os discípulos o rodeiam, ele se levanta e vai para Derbe, de onde seguem plantando igrejas em cada cidade e fortalecendo os novos crentes enquanto, pelo mesmo caminho, voltam para o litoral (At 14.21-28).
Capítulo 15
Paulo e Barnabé ensinaram e pregaram o evangelho em Antioquia durante considerável extensão de tempo, talvez durante um ano. Enquanto se encontravam ali, se depararam com judeus de Jerusalém que se contraditavam ao trabalho que os missionários haviam desempenhado em Chipre e na Ásia Menor. Encontraram também judeus que desejavam que os cristãos gentios se submetessem ao ensinamento de Moisés sobre circuncisão, tornando-se, com efeito, convertidos judeus. Paulo e Barnabé se contrapuseram veementemente a esse ensinamento. Foi então decidido que eles e mais alguns irmãos deveriam subir até Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, para que tal questão fosse resolvida.
Ao chegarem em Jerusalém e relatarem as conversões dos gentios houve grande alegria por parte da igreja, porém, alguns crentes que pertenciam à seita dos fariseus, se levantaram contra eles dizendo que era necessário circuncidar os gentios e que eles deveriam observar a lei de Moisés.
Com isso, é realizado o primeiro concílio da igreja, reunido em Jerusalém. Após um grande debate Pedro toma a palavra e deixa claro que tanto judeus como os gentios foram salvos pela graça do Senhor Jesus. Após Pedro, Tiago toma a palavra e sugere que não se deveria perturbar os gentios convertidos com as observâncias da lei, porém, eles deveriam se abster da contaminação dos ídolos, das relações sexuais ilícitas, carne sufocada e do sangue, decisão que foi de vital importância no estabelecimento do caráter da igreja e na viabilização de ainda maior crescimento (At 15.1-29).
Um documento é escrito contendo a decisão do concílio e, Paulo e Barnabé, voltam à Antioquia com a boa notícia e começam a planejar uma nova viagem missionária.
A incapacidade de chegarem a um acordo sobre se deveriam ou não levar João Marcos, o qual havia voltado para casa antes do término da primeira viagem, leva-os a separar caminhos; Barnabé leva Marcos consigo de volta a Chipre; Paulo leva Silas consigo, indo por terra para Síria, Cilícia e daí para as igrejas fundadas na primeira viagem (At 15.30-41).
[7] Para informações referentes a cronologia em Atos, consultar: Kistemaker, S. (2016). Atos. (É. Mullis & N. B. da Silva, Trads.) (2a edição, Vol. 2, p. 56). São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã.
Capítulo 16
Situamo-nos agora no decurso da Segunda Viagem Missionária, nesta, Paulo está acompanhado de Silas. Chegando à cidade de Derbe e Listra o texto apresenta um jovem de importância substancial no contexto do Novo Testamento: Timóteo.
Filho de pai grego e de uma judia crente, Timóteo era visto com bons olhos pelos irmãos daquela região e Paulo logo demonstra interesse em levá-lo consigo. Após circuncidarem Timóteo, ele segue viagem junto com Paulo.
É fundamental observar que a circuncisão de Timóteo nada tem a ver com o sentido de inclusão na igreja, uma vez que Timóteo já era cristão. O texto deixa claro que esta era uma ação sábia de Paulo, pois todos os judeus da região sabiam que o pai de Timóteo era grego e isso poderia servir de empecilho para a proclamação do evangelho, posto que os judeus não tivessem qualquer interação com quem não fosse circuncidado.
No versículo cinco observa-se mais uma nota de Lucas a respeito do avanço da igreja, e em um ponto substancial do texto.
Dando sequência no texto Lucas agora nos informa sobre a visão que Paulo tem de um varão macedônio[8] que pede que eles passem à Macedônia e os ajude, e de pronto eles seguem em direção àquela região entrando no continente Europeu. (Esse é o primeiro trecho com o uso do pronome “nós” – veja v.10).
A primeira parada é em Filipos, uma colônia romana na Macedônia, onde Lídia, vendedora de púrpura, tem o coração aberto pelo Senhor para crer e é batizada, e também onde uma expulsão de demônios coloca Paulo e Silas na cadeia.
À semelhança de Pedro – um dos muitos paralelos que Lucas estabelece entre Pedro e Paulo – são milagrosamente soltos, e acontece a conversão do carcereiro de Filipos. Paulo faz bom uso de sua condição de cidadão romano, e ambos, Paulo e Silas ficam livres (At 16.16-40).
[8] Alguns estudiosos defendem que o varão macedônio mencionado aqui é Lucas, e que tal visão não seria uma visão no sentido sobrenatural, mas sim um encontro normal, indubitavelmente o narrador, Lucas, a partir desse ponto passa a fazer parte da comitiva paulina, no entanto, não temos como afirmar categoricamente que visão aqui não é visão, e nem que o varão macedônio se trata verdadeiramente de Lucas.
Capítulo 17
Viajando pela Via Ignácia de Filipos[9], Paulo e seus companheiros passaram por Anfípolis e Apolônia chegando a Tessalônica (a moderna Salônica). A cidade de Tessalônica foi fundada cerca de 315 a.C por Cassandro, que lhe deu o nome de sua mulher, meia irmã de Alexandre o Grande, era uma cidade portuária e centro comercial (At 17.6).
Havia uma colônia judaica em Tessalônica e Paulo prega na sinagoga da cidade durante três semanas. Lucas registra que a pregação de Paulo tinha como premissa principal que o Messias das Escrituras devia morrer e ressuscitar dos mortos, fato que era uma ideia nova para os judeus pois eles imaginavam o Messias apenas como rei. A premissa menor era que Jesus de Nazaré correspondia à descrição profética e devia ser identificado com o Messias. (17.3). Se Jesus de Nazaré é o Messias anunciado, deveria então ser imediatamente aceito por todos os verdadeiros judeus.
Segue-se uma divisão de opiniões. Alguns dos judeus creram, assim como alguns gregos prosélitos. Paulo, aludindo a esse exemplo na primeira carta que escreveu àquela igreja, disse que aceitaram sua mensagem “não como palavra de homens, mas conforme ela verdadeiramente é, como palavra de Deus” (1Ts 2.13), e que se converteram dos ídolos ao Senhor para servir ao “Deus vivo e verdadeiro” (1Ts 1.9). Nas epístolas aos tessalonicenses, o apóstolo referiu-se várias vezes à tensão entre os convertidos e os judeus que rejeitaram sua mensagem, como também não ocultou seu desespero destes e os ciúmes que os levaram a impedi-lo de anunciar o evangelho de Cristo aos gentios. A oposição tornou-se tão intensa que os evangelistas não puderam permanecer na cidade; fugiram de noite para Bereia, onde começaram novamente a pregar na sinagoga.
O nome Bereia nos círculos cristãos se tornou sinônimo de estudo sério da Bíblia. Ali a situação foi mais pacífica que em Tessalônica. Os judeus receberam a mensagem de Paulo e examinaram as Escrituras afim de ver se ele dizia, ou não, a verdade. O número dos crentes aumentava. Surgiu então uma delegação de Tessalônica que começou a atacar Paulo. Um dos maiores obstáculos enfrentados pela igreja no primeiro século foi a perseguição dos judeus.[10] Os judeus de Tessalônica fizeram a mesma coisa que haviam feito em Antioquia da Psídia e em Icônio, causando tumulto na multidão, intencionados a fazer Paulo interromper a pregação. Compreendendo que nada havia a fazer, eles se puseram a caminho como se ele fosse embarcar, mas, em vez de seguir para qualquer porto, o apóstolo dirigiu-se para Atenas, onde se encontrava fora do alcance dos judeus.
Apesar da perseguição, a igreja tessalonicense floresceu, como o demonstra a correspondência paulina. Quando Paulo abandonou Bereia, Silas e Timóteo permaneceram ali para completar a obra.
[9] A Via Ignácia se estendia da costa do mar Egeu (norte da Macedônia) até a costa ocidental, na atual Albânia, ao longo do Adriático.
[10] Para um aprofundamento a respeito dos obstáculos judaicos à evangelização no primeiro século da igreja leia: Evangelização na Igreja Primitiva. Michael Green. Edições Vida Nova.
A cidade de Atenas era o centro intelectual do mundo, em sua época áurea, no século V a.C., abrigava em suas muralhas gênio literário, brilho filosófico e muita beleza arquitetônica. Nos tempos de Paulo, sua importância política e comercial não era mais como antigamente, ainda assim pairava nela certa aura de intelectualidade e cultura. Os romanos conquistaram a cidade em 146 a.C., mas permitiram que Atenas mantivesse certa medida de independência. A cidade ainda era o centro das artes, literatura, filosofia e cultura.
Enquanto aguardava em Atenas a chegada de Silas e de Timóteo da Macedônia, Paulo dedicou-se, como de costume, ao ministério da pregação. Tinha perante si duas áreas de atividade: a sinagoga, onde encontraria a congregação usual constituída por judeus e prosélitos, e o mercado, frequentado pelos pensadores pagãos. Agora ele se depara com um novo tipo de oponente: o pagão instruído e cínico, pronto a escutar tudo e relutante em acreditar. Lucas dedicou considerável espaço ao embate singular entre Paulo, o judeu cristão que odiava apaixonadamente a idolatria, e a tolerância cética dos pagãos, que levavam a mensagem do apóstolo tão pouco a sério, o que também faziam com seus próprios deuses. (O Novo Testamento. Sua origem e análise. Merril C. Tenney. Shedd Publicações. 2008, p. 296).
É considerável observar que Paulo não foi a Atenas como turista, mas sim como apóstolo de Cristo. A idolatria ateniense o deixava agitado e ele não demoraria a apresenta o evangelho àquelas pessoas. Ele, como de costume, primeiro vai até a sinagoga onde pregava para judeus e gentios piedosos, ali ele discutiu com alguns filósofos epicureus e estoicos.
Os epicureus seguiam a filosofia de Epícuro (341-270 a.C.) um filósofo nascido na ilha de Samos, perto de Éfeso. Seu ensinamento era de que o bem supremo é o prazer ou a felicidade, mas o prazer da mente e da vida inteira, não o deleite dos caprichos e instintos momentâneos. Epícuro ensinava ainda que para ser feliz era necessário se livrar do medo dos deuses.
Os estoicos por sua vez ensinavam que Deus não era um ser pessoal, mas uma força espiritual ou energia mental, sua substância era o mundo todo e também o céu. Segundo essa filosofia o bem consistia em obedecer à razão e à virtude, suprimir as emoções e se portar de acordo com o que a natureza ordenasse.
Ouvindo a pregação de Paulo os atenienses de início se interessam e o levam ao Areópago. O Areópago era uma pequena elevação rochosa em Atenas, onde havia uma área suficientemente vasta para ali se poder proferir uma conferência pública[11]. Paulo então se pronuncia através de um excelente discurso (17.22-31). Ele acha um ponto de contato na abundância de obras de arquitetura e de estátuas que adornavam a cidade, e a maior parte das quais era dedicada à adoração dos deuses e defende a causa do Deus único que fez os céus e a terra e governa o destino dos homens. Contrastando com a vaga divindade ausente do epicurismo, o apóstolo referiu-se a Deus como imanente. Contrastando com o Logos panteísta do estoicismo, frisou a personalidade de Deus e usou a necessidade de arrependimento, que constituía o oposto do fatalismo estoico.
A fala de Paulo referente à ressurreição era inconcebível para os gregos que consideravam o corpo inferior à alma e, de acordo com as palavras do poeta Ésquilo, “assim que o homem morre e a terra bebe seu sangue, não há ressurreição”. Alguns estudiosos dizem que os gregos entenderam que Jesus e Anastasia (ἀνάστασιν = ressurreição) seriam uma referência a um novo casal de deuses.
Após sua fala, interrompida por seus ouvintes (v.32), houve alguns, embora poucos, convertidos. Dentre estes, encontrava-se um membro do Areópago, Dionísio, junto com uma mulher chamada “Dâmaris, e outros com eles” (v. 34).
[11] Um Erudito chamado Ramsay afirma, com certa razão, que o “Areópago”, aqui, refere-se não tanto ao lugar, mas ao grupo que foi buscar seu nome no lugar, ou seja, o conselho governante da cidade que controlava a política pedagógica e se pronunciava sobre a concessão de autorização de ensino a mestres estrangeiros.
Capítulo 18
Deixando Atenas Paulo foi para Corinto, uma cidade demasiado diferente. A fundação da cidade situa-se no período clássico com a invasão dos dóricos. Por volta de 1000 a.C., este povo se estabeleceu ocupando um lugar de segurança, eles controlavam a principal rota comercial por terra entre o Peloponeso e a Grécia central, como também a rota Istimiana. Saqueada e incendiada pelos romanos em 146 a.C., a cidade fora reconstruída por Júlio César em 46 d.C., transformando-se na capital política da Acaia, que era uma província senatorial. Corinto era a residência do governante como pode ser lido em 18.12.
No período do apóstolo Paulo, Corinto era uma cidade próspera e procurava o luxo, a sensualidade e os esportes. A moralidade dos coríntios era considerada inferior, mesmo à luz dos padrões elásticos do paganismo. No palco romano, eram geralmente representados como ébrios. “Viver como os coríntios” era um eufemismo que designava uma vida das mais ignóbeis. Em certa altura, o templo de Afrodite em Corinto alojava mil sacerdotisas, prostitutas profissionais, o fluxo e o refluxo das viagens e do comércio traziam à cidade uma população flutuante que incluía a escória do Mediterrâneo. Em Corinto, andavam lado a lado a riqueza e a miséria, a beleza e a desgraça, a cultura e a pobreza.
Quando Paulo chegou a Corinto seus colegas não tinham voltado da Macedônia, o dinheiro provavelmente estava por acabar e, por conseguinte, o apóstolo recorre a seu velho ofício de fazer tendas, tornando-se empregado de Áquila e Priscila, que haviam sido expulsos de Roma pelo édito de Cláudio. Dentro de pouco tempo, Silas e Timóteo voltaram da Macedônia trazendo notícias do crescimento das igrejas. Nessa época é possível que também tenha vindo a contribuição para o sustento de Paulo, a qual ele menciona na carta aos Filipenses. Encorajado pelas boas notícias e pelo apoio da Macedônia, sua pregação tornou-se mais vigorosa e mais definida quanto ao fato de ser Jesus o Messias (At 18.5). A reação na sinagoga foi tal que Paulo se retirou, afirmando que os deixaria entregues a sua descrença e iria para os gentios. Assim, saindo da sinagoga, transferiu seu quartel general para o lar de um prosélito, Tito Justo, que vivia ali perto. O dirigente da sinagoga creu, bem como muitos dos coríntios, e todos eles foram batizados.
Os dezoito meses de trabalho de pioneiro – um tempo muito extenso comparado com os poucos meses que Paulo fica em Tessalônica – naquela cidade corrupta e idólatra devem ter exigido dele grande desgaste de energia física e de força psicológica. Acompanhado por Áquila e Priscila, Paulo saiu de Corinto rumo ao Oriente. No caminho, detiveram-se em Éfeso, onde Áquila e Priscila estabeleceram seu novo Q.G e deram início a seu ministério. Paulo pregou na sinagoga, mas durante pouco tempo, pois desejava chegar rapidamente à Palestina, finalizando a segunda viagem missionária.
Capítulo 19
Éfeso era uma das mais antigas colônias na costa ocidental da Ásia Menor e também a capital da província romana da Ásia. Situava-se na desembocadura do rio Caister, aproximadamente a cinco quilômetros de distância do mar. Seu orgulho religioso era o grande templo de Ártemis, mais tarde identificada com a Ártemis dos gregos e a Diana dos romanos. Em Éfeso, Paulo se depara com alguns discípulos remanescentes de João Batista. Dentre esses havia Apolo, um judeu instruído de Alexandria que já pregava na cidade acerca de Jesus e tinha um conhecimento parcial sobre a vinda do Messias. Quando Priscila e Áquila o veem pregando eles lhe instruem e com isso, sua compreensão acerca de Jesus Cristo ser o Messias fica completa. Ao fim do capítulo 18 vemos Apolo refutando os judeus e provando pelas Escrituras que Jesus é o Cristo.
Outra questão importante da missão na Ásia foi o ocultismo. Haviam alguns exorcistas judeus (o texto de Atos se refere especificamente aos sete filhos de Ceva que tentam invocar o Jesus de Paulo e a situação não acontece como esperavam). Por causa desse evento, grande temor caiu sobre os cidadãos da cidade e muitos deles queimaram publicamente os seus livros de magia. Esses acontecimentos acabaram por mostrar algumas coisas importantes:
- Em primeiro lugar, ficou claro que o poder de Cristo era maior do que o dos exorcistas e dos demonistas.
- Em segundo lugar, ficou claro o caráter exclusivo do evangelho. O cristianismo não era acrescentado às outras religiões, pelo contrário, o cristianismo as destronava.
O ministério de Paulo em Éfeso foi singularmente eficaz. Durante mais de dois anos pôde pregar sem impedimentos, primeiro na sinagoga e, mais tarde, na escola de Tirano. Operou milagres especiais e travou um contato mais direto com a população de Éfeso, e da província em geral, do que com a de qualquer outro lugar. Lucas nota que “todos os judeus e os gregos que viviam na província da Ásia ouviram a palavra do Senhor” (19.10), que, dessa maneira, “a palavra do Senhor muito de difundia e se fortalecia” (19.20), e que o número dos que creram foi tão grande que a idolatria sofreu perdas econômicas (19.26,27). A igreja de Éfeso tornou-se um centro missionário e, durante séculos, foi um dos baluartes do cristianismo na Ásia Menor. (Merrill C. Tenney. O Novo Testamento, sua origem e análise. São Paulo. Shedd Publicações, 2008. p. 303, 304).
Capítulo 20
Cessado o tumulto ocorrido em Éfeso, Paulo mandou chamar os discípulos, e, tendo-os confortado, despediu-se, partindo para a Macedônia. Lucas nos diz que o apóstolo passou três meses na região, mas não apresenta detalhes. Na primavera, quando soube que seus inimigos judeus conspiravam contra sua vida, o apóstolo fez planos para voltar a Jerusalém com donativos (At 20.3). Ele envia seus companheiros para Trôade, enquanto ele, na companhia de Lucas, se dirige para o norte, para Filipos, por terra, navegando para Trôade logo depois de encerada a festa dos pães sem fermento que ocorria imediatamente após a páscoa. A forma como a seção é narrada em primeira pessoa do plural reaparece nesse ponto de Atos indicando que Lucas estivera viajando com Paulo.
Parado em Trôade, Paulo pregou e ensinou noite adentro visto que partiria no dia seguinte e talvez não voltasse. O jovem Êutico, que estava sentado numa janela, adormeceu profundamente e caiu do terceiro andar, porém, Paulo inclinou-se sobre ele trazendo-o novamente à vida.
No dia seguinte, prosseguem viagem passando por vários lugares e param em Mileto, cidade situada no litoral sul do golfo da Latônia. Na ocasião, Paulo chamou os anciãos da igreja de Éfeso para lhes dar uma mensagem de despedida. É notável perceber as dificuldades logísticas envolvidas nessa reunião de Paulo com os presbíteros de Éfeso: os mensageiros tiveram que viajar cerca de cinquenta quilômetros para anunciar aos presbíteros o desejo de Paulo em vê-los. Se eles foram pela rota terrestre, o que é provável, levaram cerca de três dias apenas na viagem de ida. Nos vs 22 e 23 o apóstolo revela que dificuldades o aguardavam em Jerusalém e de que seu trabalho na Ásia terminara. No vs 25 ele anuncia que os irmãos não mais veriam o seu rosto. Finalizado o discurso proferido por Paulo, eles se ajoelham e oram juntos, momento em que todos são tomados de comoção, entristecidos, principalmente pelo fato de Paulo ter dito que não mais veriam o seu rosto.
Capítulo 21
Lucas retoma o uso do “nós” e informa que após saírem de Mileto eles seguem viagem passando por Cós, Rodes e Pátara. Dali navegaram até a Fenícia, indo para Chipre, onde o navio é descarregado e a comitiva do apóstolo permanece durante sete dias. Os discípulos rogam a Paulo que não volte a Jerusalém, mas não obtém sucesso. Paulo segue viagem chegando a Ptolemaida, passa dois dias com os irmãos e de lá seguem até Cesareia, ficando um tempo com Filipe, o evangelista. Ágabo, o profeta, entrega a Paulo uma mensagem de que seria preso e entregue aos gentios. Desta vez, os discípulos daquela região é que vão rogar a Paulo que não vá até Jerusalém, o que mais uma vez não tem efeito. A resposta do apóstolo demonstra claramente o quanto ele estava certo de que tudo caminhava de acordo com os planos de Deus: “O que estão fazendo, ao chorar assim e partir meu coração? Pois estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus” (21.13). Por conseguinte, sem conseguir persuadi-lo, conformados com a resposta dada, terminam desejando que a vontade no Senhor seja feita.
“Com essa visita a Jerusalém encerrou-se a fase mais ativa da carreira missionária de Paulo. Em pouco menos de um decênio, ele libertara os crentes gentios do jugo do legalismo; construíra uma robusta cadeia de igrejas desde a Antioquia da Síria e Tarso da Cilícia, através do sul da Ásia Menor, até Éfeso e Trôade, e daí através da Macedônia e Acaia até o Ilìrico; escolhera e preparara companheiros como Lucas, Timóteo, Silas, Aristarco, Tito e outros, plenamente aptos a manter o trabalho ainda que sem o apóstolo e dera início a uma literatura epistolar que já era considerada padrão de fé e prática. Apesar de seus inimigos viscerais e ativos, apoiara a igreja cristã em um fundamento firme e formulara a essência da teologia cristã, conforme lhe fora revelada pelo Espírito de Deus”.
Capítulo 21:17-22
Quando Paulo chegou a Jerusalém, provocou de imediato um conflito dentro do judaísmo. Tiago sugere que Paulo assuma a responsabilidade financeira de ajudar alguns cristãos judaicos a cumprir um voto no templo. O próprio Paulo fizera esse voto anteriormente (18.18) e Tiago pensou que essa circunstância lhe proporcionaria uma boa maneira demonstrar que não era avesso à observância da Lei judaica. Procedendo assim, poderia dar fim aos vários boatos que circulavam a respeito dele, de que ensinava a todos os judeus da dispersão que não circuncidassem seus filhos nem obedecessem aos costumes da lei (21.21).
Esse projeto estava já bastante amadurecido quando se deu o conflito inevitável: os judeus da Ásia (20.19), implacáveis inimigos de Paulo em Éfeso e em outros locais, pressupondo que ele levara seus companheiros gentios ao templo, acusaram-no publicamente e tentaram atacá-lo violentamente. O tumulto que se seguiu assumiu proporções tais que o tribuno militar romano interveio com suas coortes armadas. Paulo foi salvo da fúria da multidão e conduzido à fortaleza de Antônia para interrogatório subsequente. O apóstolo recebeu permissão do tribuno para falar da escadaria da fortaleza (21.40) e, dirigindo-se à multidão em aramaico, pronunciou sua defesa. A multidão escutou respeitosamente o relato de sua conversão. Não se levantou qualquer objeção quanto a realidade da luz ofuscante (At 9.3) que, para uma mentalidade judaica, indicaria a glória de Deus, nem à glorificação de Jesus nem aos conceitos do batismo e do arrependimento, somente quando Paulo mencionou a chamada dos gentios é que o ódio da multidão irrompeu de novo e o apóstolo precisou ser retirado para o interior da fortaleza como medida de segurança.
O comandante havia dado ordem para que Paulo fosse açoitado e que declarasse o motivo pelo qual a multidão clamava contra ele. Quando o estavam amarrando Paulo declara que era cidadão Romano por nascimento e como não era lícito açoitar um cidadão romano sem haver condenação contra ele, o comandante desiste da ideia. No dia seguinte o comandante ordena que se reunisse o sinédrio para que se obtivesse esclarecimentos.
Capítulo 23
O sinédrio era uma espécie de tribunal judaico, responsável por resolver questões relacionadas à lei dos judeus, após ter sido reunido, Paulo mais uma vez inicia, ou tenta iniciar, um discurso em sua defesa sendo, dessa vez, interrompido, pois o Sumo Sacerdote Ananias ordena que se lhe batessem na boca.
Sabendo que o Sinédrio era composto de Fariseus e Saduceus, Paulo usa de uma estratégia que dividiria opiniões. Os Saduceus eram a parte mais elitista da religiosidade judaica e não criam em ressurreição de mortos, não criam na existência de anjos, nem de espíritos. Os Fariseus por outro lado criam em todas essas coisas. Paulo declara ser fariseu, filho de fariseus e que estava sendo julgado por causa da ressurreição dos mortos. Isso cria um alvoroço entre os fariseus e saduceus e a multidão se divide. Havendo grande vozeria alguns escribas, da parte dos fariseus, se levantaram e disseram não achar nenhum mal em Paulo. Outra vez a multidão se aflora e o comandante ordena que Paulo fosse levado de volta à fortaleza para sua própria segurança. Na noite seguinte, Paulo recebe a visita do Senhor, que o encoraja a testemunhar a respeito dele em Roma da forma como fizera em Jerusalém. Vemos aqui claramente como o Senhor guia os acontecimentos, os caminhos, tudo para sua glória e seus propósitos.
Quando amanheceu o dia, aproximadamente quarenta judeus se reuniram e fizeram um voto de não comerem nem beberem nada enquanto não matassem Paulo. Eles foram até os principais sacerdotes e armaram uma cilada para conseguiram a morte do Apóstolo. A ideia era pedir ao comandante da guarda que trouxesse Paulo para ser interrogado por mais algumas coisas e nesse momento o assassinariam. Um sobrinho de Paulo descobre a cilada e vai até a fortaleza avisá-lo. Tendo avisado também o comandante da guarda dos planos dos judeus, este, ordena que Paulo fosse levado, escoltado por um forte contingente de soldados a Cesareia, onde estava o governador Félix. O comandante envia junto com Paulo uma carta contendo explicações de todos acontecimentos, desde o fato de Paulo ser cidadão romano sendo acusado por coisas relacionados a lei dos judeus, até a cilada que haviam armado contra ele. Após receber o Apóstolo e a carta, Félix decide que o ouviria quando chegassem seus acusadores.
Capítulo 24
Passados cinco dias da chegada de Paulo a Cesareia, também desceram para lá o Sumo Sacerdote, Ananias, com alguns anciãos, e, junto levaram certo Tértulo que era uma espécie de orador advogado profissional. Ao discursar perante Félix, Tértulo usa de lisonja para criar uma atitude favorável ao seu lado no caso. Ele não economiza nos elogios a Félix: “Excelentíssimo Félix, tendo nós, por teu intermédio gozado de paz perene, e, também por teu providente cuidado, se terem feito notáveis reformas em benefício deste povo, sempre e por toda parte, isto reconhecemos com toda gratidão. Entretanto, para não te deter por longo tempo, rogo-te que, de conformidade com a tua clemência, nos atendas por um pouco” (24.2-4). Após tecer esses elogios, Tértulo apresenta sua acusação, dizendo ser Paulo uma peste, alguém que promove sedições entre os judeus esparsos por todo o mundo, o acusa também de ser o principal agitador da seita dos nazarenos.
É importante ressaltar que ao tratar o cristianismo como uma seita, Tértulo está tentando distinguir o cristianismo do judaísmo de forma que o cristianismo perderia a proteção da lei de que o judaísmo gozava (Evidencia-se aqui a distinção entre religio e supertitio tratados anteriormente).
Tértulo acusa Paulo de ter profanado o Templo e afirma que ao tentar fazer isto eles o haviam prendido, porém, Lísias, o comandante da guarda o havia arrebatado violentamente de suas mãos. Quando Paulo recebe a oportunidade de falar, ele derruba, um a um, os argumentos acusatórios de Tértulo:
- Ele diz ter chegado a Jerusalém para adorar a doze dias,
- Conta que não o acharam no templo discutindo com alguém, nem tampouco amotinando o povo, quer nas sinagogas ou nas ruas.
O Apóstolo segue proferindo que serve a Deus segundo o Caminho, ao que eles chamam de seita. Paulo declara ter esperança em Deus, assim como os seus acusadores tinham, de que haverá ressurreição tanto de justos como de injustos. Expõe ter vindo, após anos, trazer esmolas à nação e que fora nessa prática que alguns judeus o encontraram no templo, sem fazer ajuntamentos e sem fazer tumultos.
Após ouvir acusação e defesa, Félix decide esperar a chegada do comandante da guarda Cláudio Lísias para tomar total conhecimento do caso. Passados alguns dias Félix e sua esposa Drusila, que era judia, decidem ouvir Paulo a respeito da fé em Cristo Jesus. Após ouvir a pregação de Paulo sobre justiça, domínio próprio e juízo vindouro, Félix fica com medo e manda Paulo se retirar dizendo ouvi-lo novamente quando tivesse outra oportunidade. Esperando, provavelmente que Paulo lhe desse algum suborno, Félix lhe chamava para conversar frequentemente, e com isso passam-se dois anos, ficando o Apóstolo detido durante todo este tempo para agradar os judeus.
Capítulo 25 – 27
Tendo Festo assumido o governo da província, os principais sacerdotes e os líderes dos judeus lhe apresentaram queixa contra Paulo. Ao descer a Cesareia e interrogar o Apóstolo, este apela para ser julgado por César[12], o imperador romano, que nesta época era o cruel Nero. Passados alguns dias, o rei Agripa e Berenice, sua irmã, chegaram a Cesareia e Festo lhes apresenta o caso de Paulo. Agripa decide ouvi-lo e no dia da audiência Paulo expõe toda sua história de vida, desde sua juventude no farisaísmo, passando pela sua conversão a caminho de Damasco. Ao relatar sua conversão e seu chamado para pregar, ele deixa claro que o motivo por estar preso é a pregação do Cristo morto e ressuscitado. Festo o interrompe dizendo que Paulo estava louco: “As muitas letras te fazem delirar”. No entanto, Paulo se defende assegurando estar em plena consciência. Paulo questiona ao rei Agripa se este acreditava nos profetas e Agripa diz que, por pouco, Paulo o convenceria a se tornar um cristão. O rei se levanta deixando claro não ter encontrado nenhuma culpa em Paulo, asseverando que caso não tivesse apelado para César, poderia ter sido solto. Não sabia ele que o Deus que controla todo o curso da História, queria Paulo testemunhando sobre Cristo em Roma.
No capítulo 27, Paulo é entregue ao centurião Júlio e juntos embarcam num navio rumo à Itália, viagem que é perigosa e repleta de dificuldades. Paulo aconselha sobre a periculosidade da viagem, mas neste momento, o centurião dá mais crédito ao comandante do navio do que às palavras de Paulo. A viagem se segue até que ficam à deriva durante 14 dias. O apóstolo os conforta dizendo ter recebido a visita de um anjo que lhe dissera que nenhuma alma se perderia se todos permanecessem no navio. Neste momento, as palavras de Paulo recebem crédito, a ponto de após estarem vários dias sem comer, desanimados pensando que morreriam, decidem comer e recobram o ânimo. e acontece o naufrágio.
Quando acontece o naufrágio, os soldados sentiram desejo de matar os prisioneiros para que não fugissem. O centurião, porém, temendo pela vida de Paulo, não permite que isso aconteça e todos chegam a salvo na ilha de Malta, antiga Melita, que ficava a cerca de cem quilômetros ao sul da Sicília. Esta ilha situava-se na rota marítima entre Roma e o Egito.
[12] Vale ressaltar que César é um título que os imperadores usavam e não nome próprio. Igual o termo Faraó que os egípcios usavam.
Capítulo 28
Ao chegarem na Ilha são tratados com benevolência pelos “bárbaros”. Quando Paulo vai pegar gravetos para fogueira uma cobra lhe pica a mão, ao que todos pensam que este morreria por causa do veneno, mas nada lhe acontece, e por esse motivo pensam ser ele um deus.
Públio, um dos habitantes da ilha, tinha seu pai enfermo, Paulo ora e o homem é então curado. Devido a este acontecimento, várias pessoas da ilha são trazidas e Paulo ora por elas que são também curadas. Após três meses eles embarcam novamente para Roma.
Uma vez em Roma, é permitido a Paulo morar por sua conta, tendo em sua companhia um soldado que o guardava. Ali Paulo pregou o evangelho de Cristo aos judeus da região. Por dois anos ele permaneceu pregando e ensinando a respeito de Cristo.
Dessa forma, o livro de Atos dos Apóstolos chega ao fim. Em sua primeira metade, os acontecimentos se deram em torno de Pedro, já nesta segunda metade, em torno de Paulo. Ambos, grandes homens de Deus, usados por Ele para pregar, ensinar, e promover o evangelho.
Minha oração é que todos esses exemplos do livro de Atos possam nos inspirar a seguir com amor, e responsabilidade a palavra de Deus, e que assim como por intermédio desses homens o evangelho rompeu continentes, e chegou a vários lugares, inclusive a nós, também por nosso intermédio demais pessoas venham conhecer dessa graça maravilhosa. Amém.
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