
Por que se amotinam os gentios, e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o Senhor e contra o seu ungido, dizendo:
Salmos 2:1-3
Rompamos as suas ataduras, e sacudamos de nós as suas cordas.
Temos nos três primeiros versos uma descrição de como a natureza humana odeia a Cristo. Nenhum comentário poderia ser melhor ou mesmo necessário sobre a revolta humana do que a canção apostólica de Atos 4:27-28: “Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel”. O Salmo começa com um interrogatório furioso, e com razão: a visão de criaturas armadas contra o seu próprio Deus deve estarrecer a mente do salmista. Nós vemos o pagão enfurecido como o mar, agitando-se para lá e para cá com ondas inquietas, como o oceano numa tempestade; e assim nós notamos as pessoas em seus corações imaginando coisas vãs e perversas contra Deus.
Onde há muita raiva geralmente há alguma loucura, e neste caso há um excesso dela. Note que a comoção não é causada apenas pelo povo, mas seus líderes fomentam a rebelião. “Os reis da terra se levantam” (2a). Em determinada malícia, eles se opuseram contra Deus. Não foi uma raiva temporária, mas um profundo ódio, pois eles se colocaram resolutamente para resistir ao Príncipe da Paz. “E os governos consultam juntamente contra o Senhor” (2b). Eles fazem a guerra com astúcia, não com lerdeza, mas deliberadamente. Eles usam toda a habilidade que a arte pode dar. Como Faraó, eles clamam: “Vamos lidar sabiamente com eles”. Assim como os homens eram tão cuidadosos e sábios em serviço a Deus, seus inimigos são rápidos para atacar o seu reino astuciosamente.
Os pecadores têm o juízo de Deus sobre eles, mas o que eles dizem? Qual é o significado desta comoção? “Vamos quebrar suas leis em pedaços” e “sejamos livres para cometer todo tipo de abominações”. Eles dizem: “Sejamos nossos próprios deuses, vamos nos livrar de toda restrição”. Reunindo imprudência e proposição traidora de rebelião, eles acrescentam – “deixemos para trás, vamos tirar suas cordas de nós”. Mas, se agarram ao domínio do usurpador e os terríveis conflitos dos últimos dias ilustrarão tanto o amor do mundo pelo pecado como o poder de Jeová de dar o reino ao seu Unigênito. Para um homem sem graça, o jugo de Cristo é condenatório, mas para o salvo ele é fácil e leve. Podemos nos julgar por isso, amamos esse jugo ou desejamos expulsá-lo de nós?
Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles.
Salmos 2:4
Vamos agora desviar os olhos da câmara do conselho perverso e do violento tumulto do homem para o lugar secreto da majestade do Altíssimo. O que Deus diz? O que o rei fará aos homens que rejeitarem seu Filho Unigênito, o Herdeiro de todas as coisas?
Note a dignidade paciente do Onipotente e o desprezo que Ele derrama sobre os príncipes e seu povo furioso. Cristo não se dá o trabalho de se levantar e batalhar contra eles, mas os despreza, sabendo quão absurdas, irracionais e fúteis são as tentativas contra Ele e, portanto, apenas ri deles.
Então lhes falará na sua ira, e no seu furor os turbará.
Salmos 2:5-6
Eu, porém, ungi o meu Rei sobre o meu santo monte de Sião.
Depois que Ele riu, Ele deve falar. Ele não precisa ferir, pois a respiração de seus lábios é suficiente. No momento em que o Seu poder está no auge e a Sua fúria mais violenta, então sua Palavra vai contra eles. E o que é que Ele diz? É uma sentença perturbadora aos pecadores: “Eu, porém” (5a), diz Ele, “apesar de sua malícia, apesar de suas reuniões desordeiras, apesar da sabedoria de seus conselhos tolos, apesar do ofício de seus legisladores corruptos, ainda sim Eu ungi o meu Rei sobre meu monte santo de Sião” (5b). Não é uma grande exclamação?! Ele já fez aquilo que o inimigo procuraria evitar.
Enquanto eles estão fazendo os planos, Ele já determinou o fim deles. A vontade de Jeová é feita e a vontade do homem se enfurece e cai por terra. O Ungido de Deus foi designado e jamais falhará. Olhe para trás através de todas as eras de infidelidade dos homens, ouça as asneiras que os homens têm falado contra o Altíssimo, ouça o trovão das correntes da terra contra a Majestade do Céu, e então pense que Deus está dizendo o tempo todo, “Eu ungi o meu Rei sobre o meu santo monte de Sião” (5b).
No entanto, Jesus terá seu domínio sobre toda Terra e Ele tem observado o trabalho da alma do homem, e sua insatisfação celestial contra toda impiedade ainda virá, quando Ele vier em seu grande poder, embora agora Ele reina em Sião, e os nossos lábios alegremente soarão os louvores ao Príncipe da Paz. Embates maiores podem acontecer aqui, mas podemos estar confiantes de que a vitória será dada ao nosso Senhor e Rei. Os gloriosos triunfos ainda estão por vir; apressai-os, oramos a ti, ó Senhor! É na glória de Sião que o nosso Rei está, protegendo nossa alegria dos inimigos e enchendo-a de coisas boas. Jesus está sentado no trono da graça e no trono do poder no meio de sua igreja. Nele está a melhor salvaguarda de Sião; deixe seus cidadãos se alegrarem nEle.
As tuas fortalezas são poderosas, e na sua entrada
Um guerreiro celestial faz guarda;
Nem as tuas fundações mais profundas se moverão;
Todas se mantém fixas em seus conselhos e seu amor.
Teus inimigos em vão se rebelam;
Contra o seu trono em vão eles se enfurecem.
Como ondas crescentes, com rugido furioso;
Que logo se agitam, mas que morrem na praia.
Proclamarei o decreto: o Senhor me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede-me, e eu te darei os gentios por herança, e os fins da terra por tua possessão. Tu os esmigalharás com uma vara de ferro; tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro.
Salmos 2:7-9
Este salmo possui uma forma muito dramática, pois agora outra pessoa é apresentada como falante. Já olhamos para a câmara do conselho dos ímpios e para o santo trono de Deus, agora contemplamos o Ungido declarando o lhe pertence e advertindo os traidores sem graça.
Deus riu do conselho e delírios dos ímpios, e agora Cristo, o próprio Ungido, vem à frente, como o Redentor Ressuscitado. “Declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dentre os mortos” (Rm 1:4). Olhando para os rostos irados dos reis rebeldes, o Ungido parece dizer: “Se isto não basta para que vocês se calem, declararei o decreto de Deus.” Agora este decreto está diretamente em conflito com os desígnios do homem, pois sua natureza é o estabelecimento do próprio domínio contra as nações ímpias. “Tu és meu Filho” (7), aqui está uma nobre prova da gloriosa Divindade de nosso Emanuel. “Porque, a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, Hoje te gerei” (Hebreus 1:5).
Quanta misericórdia temos através do Divino Redentor em quem podemos depositar a nossa confiança! “Hoje te gerei”, se isto se refere à Divindade de nosso Senhor, não tentemos entendê-la, pois é uma grande verdade, uma verdade reverentemente recebida, mas não irreverente para ser dissecada. Pode-se acrescentar que, se isso é refere-se ao Unigênito em sua natureza humana, devemos aqui também nos regozijar nesse mistério, mas não devemos tentar violar sua santidade por meio de invasão nos segredos do Deus Eterno. As coisas que são reveladas são suficientes, sem se aventurar em especulações vãs. Na tentativa de definir a Trindade, ou desvendar a essência da Divindade, muitos homens se perderam: aqui grandes navios afundaram, o que devemos fazer em tal mar com nossos frágeis barcos?
Pede-me, e eu te darei os gentios por herança, e os fins da terra por tua possessão.
Salmos 2:8
“Pede-me”. Era um costume entre os grandes reis, dar aos favorecidos o que eles pedissem (veja Ester 5:6 e Mateus 14:7). Então, Jesus tem apenas que perguntar e, então, ter. Aqui Ele declara que seus inimigos são Sua herança. À sua frente Ele declara este decreto, e “Eis aqui” – grita o Ungido – enquanto Ele ergue na mão outrora furada o cetro do seu poder, “Ele me deu isto, não apenas o direito de ser Rei, mas o poder de conquistar”.
Sim! Jeová entregou ao seu Ungido uma vara de ferro com a qual Ele quebrará as nações rebeldes e, apesar de suas forças imperiais, elas serão como vasos na mão do Oleiro, fácil de serem destruídas, quando a vara de ferro estiver na mão do Onipotente Filho de Deus. Aqueles que não se dobram, devem quebrar. As vasilhas dos oleiros não serão restauradas se desfiguradas, e a ruína dos pecadores será sem esperança se Jesus os ferir.
Vós, pecadores, buscais a sua graça,
Cuja ira não podes suportar;
Voe para o abrigo de sua cruz,
E encontre a salvação lá.
Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos instruir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor, e alegrai-vos com tremor. Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se acender a sua ira; bem-aventurados todos aqueles que nele confiam.
Salmos 2:1-12
A cena aqui muda novamente, a advertência é dada àqueles que tomaram o conselho de se rebelar. Eles são exortados a obedecer e dar o beijo de homenagem e afeição Àquele a quem eles odiaram.
“Sede Prudentes” (10) – É sempre sábio estar disposto em ser instruído, especialmente quando tal instrução tende à salvação da alma. “Sede prudentes”, não se prolongue mais, mas deixe que uma boa razão o conduza. Sua guerra não pode ser bem sucedida, portanto desista e entregue-se alegremente Àquele que fará você se curvar, caso recuse seu jugo. Quão sábio, quão infinitamente sábio é a obediência a Jesus, e quão terrível é a loucura daqueles que continuam sendo seus inimigos! “Servi ao Senhor com temor” (11a); Que a reverência e a humildade sejam mescladas com o seu serviço. Ele é um grande Deus, e vocês são apenas criaturas insignificantes; Dai, portanto, em humilde adoração, e que um temor filial se misture com toda a vossa obediência ao grande Pai das Eras.
“Alegrai-vos com tremor” (11b). Deve sempre haver um temor santo misturado com a alegria do cristão. Este é um composto sagrado, produzindo um cheiro suave, e devemos fazer com que não queime nenhuma outra coisa no altar que não produza o cheiro suave. O temor, sem alegria, é tormento; e alegria, sem temor santo, é presunção. Note o argumento solene de reconciliação e obediência. É uma coisa horrível perecer em meio ao pecado, no próprio caminho da rebelião, a ira de Deus nos destruiria em um instante.Não é preciso que a sua ira seja aquecida sete vezes mais para nos destruir, basta um vislumbre dela e nós somos consumidos.
Ó pecador! Tome cuidado com os terrores do Senhor, pois “nosso Deus é um fogo consumidor”. A benção com a qual o Salmo se fecha: “Bem-aventurados todos aqueles que nEle confiam”. Temos uma participação nesta bem-aventurança? Confiamos nEle? Nossa fé pode ser delgada como um fio de aranha; mas, se for real, somos em nossa medida abençoados. O quanto mais confiamos, mais plenamente conheceremos esta bem-aventurança, por isso, podemos fechar o Salmo com a oração dos apóstolos: “Senhor, aumenta a nossa fé.”
O primeiro Salmo foi um contraste entre o homem justo e o pecador; o segundo Salmo é um contraste entre a desobediência desordenada do mundo ímpio e a exaltação segura do justo Filho de Deus. No primeiro Salmo, vimos os ímpios sendo levados como a palha; no segundo Salmo, os vemos quebrados em pedaços como o vaso de um oleiro. No primeiro Salmo, vimos os justos como uma árvore plantada junto aos ribeiros de água; e aqui contemplamos a Cristo, o líder da aliança dos justos, feito melhor do que uma árvore plantada junto aos ribeiros de água, pois Ele é feito Rei de todas as fontes, e todos os gentios se curvam diante dEle e beijam o pó; enquanto Ele mesmo dá uma bênção a todos aqueles que confiam nEle.
Os dois Salmos são dignos da mais profunda atenção; eles são, de fato, o prefácio de todo o Livro dos Salmos, e foram por alguns dos antigos, unidos em um. Eles são, no entanto, dois Salmos; porque Paulo fala disto como o segundo Salmo (At 13:33). O primeiro nos mostra o caráter e a sorte dos justos; e o próximo nos ensina que os Salmos são messiânicos e falam de Cristo, o Messias – o Príncipe que reinará desde o rio até os confins da terra. Que eles têm uma perspectiva profética de longo alcance, estamos bem assegurados, mas não nos sentimos competentes para abrir esse assunto, e devemos deixá-lo em mãos mais capazes.