John Owen é por vezes referido como “o maior teólogo britânico de todos os tempos”. Ele viveu na Inglaterra no século XVII quando o puritanismo estava no auge, morrendo com a idade de sessenta e sete anos, em 1683. Ele era um escritor profundo e prolífico. Tal foi a sua influência que muitas das suas obras continuam a ser reimpressas até hoje.
Alguns podem levantar a questão: “Afinal, por que considerar os pensamentos de alguém, tão distante de nosso tempo, na educação teológical?” Há uma razão importante para considerar o que Owen tem a dizer seriamente: Há uma crescente divisão e separação entre teólogos e ministros no pastorado. A teologia, na prática, é cada vez mais a província do seminário e da sala de aula, porém cada vez menos a do pastor em uma igreja local. John Owen, em contraste, era teólogo e pastor. Além disso, ele é o típico reformador, tanto no continente quanto na Inglaterra que, como Merle d’Aubigné observou: “…era sempre coerentes seus ensinos com suas práticas e trabalhos: os trabalhos eram o seu fim, seus estudos eram apenas os meios” [1]. Grande parte do desperdício e da fraqueza trágica na igreja contemporânea pode ser atribuída ao divórcio de teologia com o ministério prático. Parece lógico retornar e examinar o que era essencial para a educação teológica nas mentes dos grandes teólogos-reitores – dos quais Owen é um exemplo notável. Talvez tal exame forneça um corretivo necessário.
Antes que alguém possa entender o pré-requisito essencial de Owen para a educação teológica, ele deve se familiarizar com a posição de Owen em relação aos objetivos da educação teológica. Para Owen, a busca do conhecimento tinha por objetivo e propósito primordial, primeiro “viver de maneira agradável diante de Deus” [2] e, segundo, “cultivar a comunhão santíssima e doce com Deus, onde reside a verdadeira felicidade da humanidade” [3]. Ele segurou este propósito como fundamental para o estudo teológico e esperava que os ministros fossem afetados pela Palavra de Deus no nível pessoal antes de seu ministério público. Só então ele considerou os homens qualificados para buscar o desenvolvimento de destreza e habilidade nas áreas práticas do serviço [3].
Uma coisa que se destaca claramente nos escritos de Owen é que: Nem a teologia, nem o ministério prático, nem o processo de educação deveriam servir como fins em si mesmos. Seu objetivo era sempre que a glória de Deus fosse manifestada através da vida do ministro-aluno, e que a presença de Deus fosse visível em sua vida e ministério. Ambos são derivados da comunhão com Deus no nível pessoal. É um eufemismo dizer que os paradigmas modernos da educação teológica, com suas ênfases nos processos e resultados, não edificam o ministro-aluno ou aumentam seu próprio relacionamento com Deus. Basta olhar para o nível de frustração e desapontamento experimentado por ministros para perceber que o objetivo de Owen não é estimado atualmente e raramente é alcançado.
Neste ponto, muitos leitores podem ficar tentados a parar de ler. Para a mente moderna, o pré-requisito essencial de Owen para uma educação teológica é simples ao ponto de absurdo: O estudante de teologia deve ser completamente convertido a Cristo. Entretanto, somente na história recente da igreja a conversão a Cristo se tornou o assunto prático que é agora. Em tempos de avivamento e reforma genuína, aquilo que a igreja moderna toma como um dado (que a salvação é um caso fácil) é o elemento central na vida da igreja. Isto foi certamente verdadeiro nos dias de Owen. A conversão foi de vital importância.
Deixar de examinar a questão da necessidade de regeneração na educação teológica é fazer pouco mais do que admitir que uma genuína reforma da igreja não vale a pena prosseguir. Talvez devemos ouvir o que Owen tem a dizer.
Primeiro, Owen afirma que a disciplina da teologia é única. É diferente da ciência natural na medida em que é fundada não na observação, mas na revelação de Deus nas Escrituras. O teólogo deve necessariamente ser um estudante da Bíblia. No entanto, na mente de Owen, o mero reconhecimento da autoridade e da verdade das Escrituras não é suficiente para assegurar o sucesso na busca da teologia. A Bíblia não pode ser abordada da mesma forma que os estudiosos de outras disciplinas mencionam os textos relacionados aos seus campos. Para Owen, a razão é bastante simples: a Bíblia é o livro de Deus, revelando a verdade que não pode ser descoberta de outra forma senão por sua revelação. As verdades da Escritura cobrem os assuntos mais importantes que podem ocupar os pensamentos do homem: O caráter de Deus, a pecaminosidade do homem, a incapacidade humana e a obra gloriosa da redenção em Cristo. Para Owen, as Escrituras devem ser abordadas com a mesma reverência devida ao próprio Deus, pois ali Deus falou. Os estudantes de teologia devem, portanto, compreender que a natureza das Escrituras exige mais do que a razão humana. Isso deve ser entendido e corrigido antes que qualquer benefício possa ser obtido em seu estudo. Ao fazer este ponto, Owen exclamou: “Oh, que Deus abra os olhos dos estudantes de teologia para ver que as questões da teologia são totalmente diferentes dos objetivos da filosofia, e que o seu estudo necessita de uma atitude mental diferente, outra disposição de caráter, um novo coração, do que aqueles com os quais eles estão acostumados a abordar em todo “cíclo de aprendizado humano!”. Ele também afirmou que “Ninguém pode compreender ou entender corretamente a teologia pelo méritos ou poder humano ou pela própria confiança no intelecto, fazendo o uso de o que quer que seja de ajuda externa…” [5].
Assim, para Owen, a teologia não pode ser um esforço estritamente humano. Nem Deus e nem as Escrituras Sagradas podem ser estudadas da mesma maneira que um biólogo, por exemplo, estuda certo assunto de seu ramo. O estudante de teologia deve ter uma atitude diferente em relação ao seus estudos – uma mente diferente; porque a sua é a mais nobre das atividades. Seu campo de atuação exige mais do que aquilo que ele é capaz de fazer. Seu assunto exige temor e adoração. Seu método insiste em um novo coração e disciplina rigorosa. Seu propósito não é tanto catalogar e classificar; mas tornar-se um adorador e servo. Assim como Deus é a fonte da Escritura, Ele também é a fonte do coração regenerado. O ministro-estudante deve reconhecer isso e responder consagrando sua vida para alcançar este objetivo. Com essas coisas em mente, não é surpresa que Owen afirme dogmaticamente que Deus deve ser um participante ativo no estudo da teologia; e sem a sua participação, nada de significado duradouro será obtido. Ele comentou: “De minha parte, se eu trouxer a este estudo qualquer entendimento que Deus tenha graciosamente me concedido, e se Ele abençoou meu propósito e oração por isso, e pelos meus trabalhos os piedosos são beneficiados, então eu devo considerar que, assim como as outras muitas bênçãos, recebi apenas por soberana graça” [6]. O essencial para o estudo teológico é que a pessoa que embarca em tal busca seja completamente nascida “de uma maneira salvadora e benéfica”. A coroa necessária para a regeneração do estudante é que aqueles que ensinam teologia também devem ser recipientes de um coração renovado, antes que eles possam levar o título de teólogo para si mesmos no sentido pleno e apropriado da palavra. Como Owen observou, “nunca concedemos o título de teólogo a quem não é discípulo de Cristo, nem de cristão é incapaz de obedecer os ensinos ordenados por Cristo” [7].
Este essencial, cuja consideração é geralmente negligenciada como um dado, é importante porque, sem ele, o homem não só não tem a capacidade de entender e se beneficiar das Escrituras, mas também é impotente para suportar a grande tentação a que muitos teólogos e escolas teológicas sucumbem: incorporar os objetivos e métodos de outras disciplinas àqueles empregados na educação teológica para ganhar a atenção e o respeito de acadêmicos de fora da igreja. Owen reconheceu esta tentação para a corrupção do estudo das Escrituras como existente na igreja primitiva, citando a defesa de Paulo de seu ministério à Igreja de Corinto e seus escritos de Efésios 1: 8-9,17,19 e Colossenses 1: 27-28. 2: 2, 8-9. Owen identificou corretamente a fonte dessa corrupção como o desejo dos teólogos não regenerados de fazer sua teologia se conformar aos métodos dos não regenerados, isto a fim de elevar a teologia à respeitabilidade no mundo, e obter o louvor dos homens.
O lado negativo é que a verdade do evangelho é prejudicada por qualquer esforço desse tipo. Consequentemente, a mensagem do evangelho, em vez de ser um claro trompete, assume a forma de uma conversa trilateral confusa, entendida por ninguém. O ministro-professor desce, sem provar do ar puro da montanha do seu Deus e da teologia do seu Deus para se afundar na lama do carisma [e pragmatismo] religioso e da manipulação. Lá, ele acaba – na melhor das hipóteses – como um técnico de coração vazio e cérebro ocioso cumprindo seu dever profissional por causa de seus deuses.
Se John Owen fosse avaliar a educação teológica hoje, ele poderia muito bem concluir que os maiores problemas não são com nossos métodos ou com nossas instituições, mas com o reino de Adão raramente desafiado em ambos.
Notas:
[1] History of the Reformation, 2: 362
[2] Teologia Bíblica, 668
[3] BT, 618
[4] Works 9:455-463
[5] BT, 592
[6] BT, 592
[7] BT, 616
2019 © Traduzido por Amanda Martins, revisado por Elnatan Rodrigues. Para o uso correto deste recurso visite nossa Página de Permissões.