Não devemos ficar surpresos quando nos deparamos com pessoas questionando o feminismo do apóstolo Paulo. Esse questionamento decorre de muitos ainda insistirem em afirmar que, na verdade, ele era machista. “Em pleno século XXI, há ainda os que contrariam à logica cultural e reafirmam o tal machismo do apóstolo…”
“Ué, eu sempre ouvi que Paulo era machista, não feminista.”
Ficou confuso? Deixe-me explicar:
Evidentemente, Paulo não era nem feminista, nem machista. Como ele mesmo se define na maioria de suas cartas, ele era “servo de Cristo”. O que eu pretendo mostrar neste texto é que a Escritura se mostrará contracultural enquanto a cultura ainda não estiver sido redimida. O que o apóstolo fez em sua conhecida carta à igreja de Éfeso foi justamente mostrar o quanto a cultura da época estava não apenas interpretando mal a Escritura, como também desconstruindo a brilhante tipificação do Evangelho: o casamento.
O título desse texto é proposital, mas não sem razão. Primeiro porque eu sei que esse tema – feminismo – está muito em voga atualmente, e não são poucos os que dizem professar a fé, mas ao mesmo tempo subscrevem esse tal movimento; e segundo porque a afirmação atualmente a respeito de Paulo é o oposto. Talvez para você o correto devesse ser: “Paulo era mesmo machista?” Porém, o meu ponto nesse texto é mostrar que o conteúdo da indagação vai depender do contexto e da cultura de quem pergunta.
O que eu estou querendo dizer é que não podemos fazer afirmações da Bíblia, à princípio, tendo como pano de fundo o contexto brasileiro no século XXI. Inicialmente, a base de interpretação é o contexto da época em que o texto, neste caso o texto Sagrado, foi escrito. Apenas depois de compreender o momento da época que podemos fazer aplicações segundo a cultura de quem interpreta.
Dito de outra forma, não podemos utilizar as lentes do século XXI para enxergar os escritos do primeiro século. Essa é a regra básica da hermenêutica cultural.
Vejamos abaixo o clássico texto de Paulo:
As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo. Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido. Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito. Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo. Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja. Não obstante, vós, cada um de per si também ame a própria esposa como a si mesmo, e a esposa respeite ao marido.
Efésios 5:22-23
Há uma beleza extraordinária neste texto, e muito do Evangelho eu aprendi através dele! Se compreendido da forma correta, o mesmo não apenas pode transformar casamentos, como também pode gerar um relacionamento com Deus ainda mais íntimo e amoroso.
O primeiro verso é o mais odiado pelas ditas feministas. Elas odeiam a palavra “submissão” e preferem a palavra “igualdade”. E muitos usam o verso 21 como prova dessa igualdade: “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo.” Entretanto, embora o conceito de igualdade seja corretíssimo, não devemos defende-lo a partir desse verso. Antes de prosseguirmos, preciso fazer uma correção a respeito. Isso porque quando escrevi o texto corrente pela primeira vez em meu blog, deixei-me levar pela interpretação majoritária no que tange ao verso 21: “sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo”. Contudo, quero aqui colocar o posicionamento que julgo ser o correto, embora seja a visão minoritária. A maioria dos teólogos diz que esse verso fala da igualdade em essência entre homem e mulher, para nos versos seguintes falar da diferença de papéis. Vejamos abaixo algumas citações de alguns teólogos e percebamos como todos eles interpretam essa passagem à luz de uma submissão mútua:
“Repetidas vezes nosso Senhor, durante seu tempo nessa terra, enfatizou esse mesmo pensamento, ou seja, que cada discípulo deveria estar disposto a ser o menor… e a lavar os pés a seus condiscípulos… O mesmo pensamento é substancialmente expresso em Romanos 12.10: ‘preferindo-se em honra uns aos outros’, e em Filipenses 2.3: ‘nada façais por partidarismo, ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo’.”
(William Hendriksen)
“Em Cristo devemos ser submissos uns aos outros. Francis Foulkes diz que o entusiasmo que o Espírito Santo inspira não deve ser expresso individualmente na comunidade cristã… Paulo sabia que o segredo de manter a comunhão de gozo na comunidade era a ordem e a disciplina que vêm da submissão espontânea de uns aos outros.”
(Hernandes Dias Lopes)
“Aqui o apóstolo inicia sua exortação em relação aos deveres domésticos. Como fundamento geral pare esses deveres, ele apresenta a regra da sujeição mútua. Existe uma submissão mútua que os cristãos devem uns aos outros, dispondo-se a levar as cargas uns dos outros, não se colocando acima dos outros, nem dominando os outros e impondo leis aos outros. Paulo era um exemplo na verdadeira conduta cristã, porque se fez tudo para todos.”
(Matthew Henry)
Não digo que os autores das citações acima são igualitaristas, embora todos os igualitaristas afirmem que Efésios 5.21 ensina uma submissão mútua entre homens e mulheres, o que constitui um erro. Veremos mais a frente que a igualdade em essência entre homem e mulher e o respeito entre ambos é bíblica, mas não a partir do verso citado.
Este versículo deve ser analisado a partir de seu contexto posterior, que indica outra coisa e não submissão mútua. De modo muito simples, o que o apóstolo Paulo faz no verso 21 é intitular o que vem a seguir. Quando ele diz “sujeitando-vos uns aos outros”, ele está introduzindo o seguinte: que as esposas se sujeitem a seus maridos; que os filhos se sujeitem aos pais; e que os servos se sujeitem aos seus senhores. De forma alguma estava na cabeça de Paulo que os maridos, os pais e os senhores deveriam se sujeitar, respectivamente, às esposas, aos filhos e aos servos. Dito de outra forma, o verso 21 não aponta para a submissão mútua em essência, mas para as submissões de papeis que virão a seguir. Além disso, quando olhamos para a palavra que o apóstolo usou para “sujeitai-vos uns aos outros” (hupotasso), notamos que ela somente é usada em situações envolvendo uma sujeição a uma autoridade, indicando, obviamente, que “alguns deveriam se sujeitar a outros” que detêm uma autoridade específica. Portanto, dentro desse contexto maior de Efésios 5 e 6, as esposas, os filhos e os servos deveriam se sujeitar à autoridade dos maridos, dos pais e dos senhores.
Um texto, contudo, que indica igualdade entre os gêneros é Gálatas 3.28: “Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo”. A partir deste texto, sim, podemos afirmar a igualdade em essência entre homem e mulher. O ponto é que ambos têm a mesma dignidade diante de Deus, e nem um nem outro pode se achar superior. Isso deve ser um fato incontestável na cristandade. Todavia, algo completamente diferente é o papel de autoridade que Deus conferiu ao homem e de submissa que deu a mulher. Devemos sempre ter em mente que dignidade de gênero não anula a diferença de papeis. Feita essa correção de meu texto original, voltemos à questão central do verso 22.
Esse verso em questão pode até ser odiado em nossa cultura, mas certamente não o era na época em que fora escrito. Outro poderia ser mais odiado que esse. O que justifica isso é o fato de essa orientação – a mulher ser submissa ao marido – já ser absolutamente comum na época. Uma mulher poderia ler e dizer: “Ora, Paulo, não está me dizendo nada de novo. Já faço isso.” Um homem da mesma forma poderia replicar: “E qual é a novidade? Isso já acontece. Eu estou inculcado é com outro verso…”. O fato é que, à luz do contexto da época, Paulo não poderia ser acusado de machismo. Isso já era culturalmente aceito. Mas será que ele poderia ser chamado de feminista? Afirmo que sim!
O que estava sendo contracultural no escrito do apóstolo era outro verso:
Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito. Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo.
Efésios 5:25-30
Apenas o verso 25 já seria suficiente, mas coloquei todos esses para que não percamos o contexto. Tem muita coisa nas entrelinhas aí, e eram esses detalhes extras que poderiam fazer qualquer judeu daquela época se engraçar teologicamente contra Paulo. Percebam que Paulo está “batendo” mais nos homens que nas mulheres. Vejamos o porquê:
Falar para o homem daquele contexto amar a sua esposa como Cristo amou a Igreja é radicalismo puro! É acabar com o orgulho “machista”! Por quê? Para responder a essa pergunta, precisamos nos lembrar como Jesus amou:
- A “Igreja” pecou contra Deus inicialmente;
- O Deus Trindade decide perdoar essa Igreja, que também é chamada de Noiva;
- Mas Ele não poderia perdoar sem punir justamente;
- Por isso, Deus Filho, Jesus, o Noivo, decide obedecer ao Pai e voluntariamente vir a Terra para salvar sua Noiva;
- Como a santidade de Deus exige punir o pecado, o Noivo assume todos os pecados de sua Noiva, e é condenado no lugar dela…Sobre Ele pesou a punição do próprio Deus Pai. Jesus fez isso por amor ao Pai e à sua Noiva! Ele se entrega em sacrifício!
- O Noivo dá um novo vestido branco de noiva à sua futura esposa. O casamento está marcado, mas neste caso a noiva não sabe a data, mas tem a certeza de que o Noivo virá para essa cerimônia.
Viu aí, homem? Falar isso para o homem daquela época era quase um atestado de autoapedrejamento. O ponto aqui é mostrar que se formos aplicar corretamente a hermenêutica cultural, perceberemos que o apóstolo poderia ser chamado de feminista e não de machista.
Notem como a Escritura é contracultual quando a cultura ainda apresenta pecados. As épocas mudaram e, por conta do pecado, os relacionamentos conjugais ainda continuam desiguais. Porém, se naquela época, o verso de ódio era o do homem dar a sua vida pela mulher, atualmente, em virtude de a cultura ter mudado, o verso de ódio é outro: a mulher se submeter ao marido. Evidentemente que, independente da cultura, a Escritura sempre vai dizer que tanto o feminismo quanto o machismo são absolutamente contra o padrão bíblico.
Creio que até o presente momento do texto muitas mulheres estejam vibrando ao ouvir sobre como deve ser a atuação do homem ao buscar se parecer com Cristo. É fato que o princípio da igualdade de gênero é bíblico; é maravilhoso contemplar um Evangelho que convoca o homem a imitar a Cristo dando a vida por sua noiva. Mas há diferença entre homem e mulher?
Antes de continuar, quero dizer que não é proposta desse texto explicar o que significa ser “submissa” e o que significa ser “cabeça”; isso é assunto para outro momento. Desejo apenas discorrer sobre algumas questões teológicas a respeito da diferença.
Em primeiro lugar, você, homem, não É Cristo e nem você, mulher, É a Igreja em sua totalidade, mas apenas uma parte dela. Nesse sentido, você, homem, é chamado para ser como Cristo e você, mulher, como a Igreja. Isso indica muitas coisas:
1) O homem não é o Salvador nem o Senhor da mulher. A autoridade que ele tem é derivada de Deus. Isso significa que ele deve obediência ao verdadeiro Cabeça, que é Cristo. É apenas quando ele consegue se submeter ao verdadeiro cabeça que ele consegue ser o cabeça de sua esposa. Quando o homem “se sacrifica” por sua amada, não há esposa que, prazerosamente, não se lance em submissão e confiança nos braços desse marido;
2) Mulheres, o seu Senhor é Cristo, não seu esposo. Porém, a melhor forma que Deus escolheu para você mostrar seu amor por Ele foi você confiando na liderança de seu marido. Rebelar-se contra ele, quando este estiver se rendendo ao senhorio de Cristo, isto é, quando ele estiver te amando sacrificialmente, é se rebelar contra o Senhor! É PECADO!
3) No entanto, visto seu marido não ser seu Senhor, mas Cristo, quando seu esposo não mais estiver amando o Cabeça e estiver lhe tratando com amargura, você deve repreendê-lo em Cristo, com mansidão e amor. Quando ele tomar decisões que são claramente contra a vontade de Deus e o Seu Reino, você deve dizer para ele: “querido, eu te respeito como cabeça, mas neste caso específico eu fico com a Escritura e não com sua decisão!” Você em primeiro lugar, mulher, é Noiva de Cristo!
4) Homens, vocês foram chamados para serem pastores de suas casas, e como tais, terão que prestar contas de seu rebanho, ainda que você só tenha uma ovelha. Jesus pagou um preço altíssimo por sua / Sua esposa (sua esposa e ao mesmo tempo futura Esposa dEle) e a ama profundamente e dela cuida. Ele não a trata com desprezo, covardia, desdém, autoritarismo, brutalidade, grosseria, amargura… mas com amor infindável. Ele deseja que você cuide da sua esposa da mesma forma como ele cuidou de você, Igreja e Noiva. Portanto, cuide dela pra Ele.
Finalmente, conforme dito inicialmente, o Evangelho está no cerne de tudo isso. Veja, por exemplo, como o apóstolo termina seu texto:
Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja
Efésios 5:31-32
Esse trecho diz bastante coisa. Mas terminarei apenas falando aquilo que entendo ser a essência desse trecho e a conclusão da temática geral.
Depois de o apóstolo discorrer acerca do relacionamento entre homem e mulher, Paulo finaliza dizendo que, na verdade, estava se referindo à Cristo e à Igreja. Isso é fantástico! O mistério foi revelado: Ele está dizendo que o casamento foi criado para isso! Eu penso que a ideia é essa: Deus queria mostrar para seu povo o seu grande amor por ele. O que Ele precisava era criar algo que, por meio do qual, o ser humano pudesse compreender esse amor. Daí surgiu o casamento, como uma parábola da relação entre Cristo e a Igreja: “O homem vai apontar para o meu amor sacrificial, e a mulher, para a Igreja salva, linda e adornada, que ama o Noivo e a Ele se entrega em confiança.”
Que bela metáfora que Deus Criou: CASAMENTO.
Homem e mulher, não estraguem esse lindo retrato do Evangelho. Louvem e adorem ao Deus Trindade pela e através da igualdade e da diferença.
Deus os abençoe!
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